O que sentimos, acreditamos ser, em última instância, verdadeiro. Quando choramos de raiva ou trememos de medo, o corpo parece selar o pacto entre emoção e realidade, como se não houvesse espaço para dúvida. Mas o que define uma emoção? De onde ela emerge? Lisa Feldman Barrett, psicóloga e neurocientista, propõe a Teoria das Emoções Construídas, que desafia concepções tradicionais sobre as emoções humanas. Segundo essa teoria, as emoções não são reações inatas e universais, mas sim construções do cérebro baseadas em experiências passadas, contexto cultural e ambiente imediato. Sua teoria nos provoca: as emoções não são universais nem automáticas. Elas são construções, narrativas que o cérebro compõe ao interpretar sinais do corpo e do ambiente, iluminadas por experiências passadas e pelo contexto cultural. Essa teoria das emoções construídas ecoa, de maneira inquietante, com a psicanálise de Freud e sua teoria das pulsões. Ambos os modelos nos mostram que o sentir não é um dado bruto; é um enigma moldado pela história, pelo desejo e pela interpretação.
Se as emoções são construídas, as psicopatologias podem ser vistas como narrativas congeladas, interpretações malogradas do corpo e do mundo. A ansiedade que sufoca, a tristeza que paralisa, a compulsão que se repete como um mantra vazio: tudo isso revela um sujeito preso às lógicas infantis, onde o imediato e o concreto dominam, onde as categorias simbólicas que poderiam dar sentido ao sofrimento falham ou se distorcem. O trabalho da psicoterapia psicanalítica, nesse contexto, é resgatar a capacidade do sujeito de reinterpretar suas emoções e reconstruir as narrativas que as sustentam.
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Entre Corpo e Psique: A Lógica do Sofrimento
Freud situava o sofrimento no conflito entre as pulsões – forças originárias do corpo – e as demandas do mundo externo, mediadas pelo psiquismo. Lisa Feldman Barrett, por sua vez, propõe que o cérebro, em constante diálogo com o corpo, constrói previsões para interpretar sinais internos, como a aceleração do coração ou a tensão muscular, transformando essas sensações em emoções como medo ou raiva. Ambas as teorias convergem na ideia de que o corpo não fala diretamente; ele sussurra, balbucia, e cabe ao psiquismo traduzir esses murmúrios em algo compreensível.
Na psicopatologia, esse processo de tradução se rompe ou se torna rígido. A ansiedade pode surgir quando o corpo é interpretado constantemente como em perigo, mesmo quando o contexto não oferece ameaça. A depressão pode refletir uma falha na capacidade de prever satisfação ou prazer, mergulhando o sujeito em uma narrativa de ausência e perda. Freud e Barrett, em seus próprios registros, nos mostram que o sofrimento não é apenas um excesso de emoção, mas um problema de significado.
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A Psicanálise como Reescrita de Narrativas Emocionais
Se a emoção é construída, a cura não está em silenciar o corpo, mas em ressignificar o que ele comunica. A psicoterapia psicanalítica opera nessa interseção, onde as lógicas infantis que moldam as emoções precisam ser revisitadas e transformadas. A transferência, um dos conceitos centrais da psicanálise, exemplifica isso: o paciente projeta no analista afetos e padrões emocionais originados na infância. Essas projeções são, na verdade, narrativas inconscientes que permanecem atuando no presente, perpetuando o sofrimento.
O analista, como um leitor atento, ajuda o paciente a reescrever essas narrativas. Não há correção direta, porque o sofrimento não se organiza em termos de "verdade" objetiva, mas de histórias que fazem sentido para o sujeito. A escuta psicanalítica busca entender como o paciente constrói suas emoções e como essas construções, frequentemente ancoradas em lógicas egocêntricas e rígidas da infância, se repetem sem questionamento. Assim como Barrett sugere que as emoções dependem de categorias aprendidas, a psicanálise reconhece que o inconsciente trabalha com símbolos e significados herdados, que precisam ser reorganizados para que novas formas de viver e sentir sejam possíveis.
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A Criança que Persiste: Emoções e Pulsões no Adulto
A criança, ao sentir medo, pode interpretar a aceleração do coração como um sinal de perigo absoluto, ignorando nuances ou contextos. Esse padrão, segundo Barrett, não desaparece magicamente na vida adulta. Freud já nos advertia: a lógica infantil sobrevive no inconsciente, onde a atemporalidade e a contradição coexistem. O adulto que sofre de ansiedade ou depressão muitas vezes age e sente como a criança que não aprendeu a diferenciar a sensação do significado.
Na clínica psicanalítica, essas lógicas emergem nos sonhos, nos lapsos e nos sintomas. Um paciente pode descrever sua angústia como uma certeza de que será rejeitado, sem perceber que essa emoção ecoa vivências infantis, em que o olhar dos pais definia seu valor. A tarefa do analista é ajudar o paciente a reconhecer que o que ele sente hoje não é apenas uma resposta ao presente, mas uma repetição de narrativas antigas que podem ser revisadas. A aceleração do coração, reinterpretada, pode deixar de ser ameaça para se tornar excitação, expectativa ou até liberdade.
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Reconstruindo o Sentir
A convergência entre Freud e Barrett sugere que a cura não está em negar as emoções, mas em expandir a capacidade de nomeá-las, compreendê-las e reconstruí-las. A psicanálise, ao operar na zona de interseção entre corpo, inconsciente e linguagem, oferece um espaço onde o paciente pode experimentar novas formas de significar suas experiências. O que antes era medo irracional pode se tornar uma oportunidade de explorar o desconhecido; o que era tristeza imobilizante pode se transformar em um reconhecimento da falta como motor do desejo.
Essa reconstrução, no entanto, não é apenas intelectual. Ela ocorre no corpo, nos silêncios entre as palavras, no espaço da transferência onde o analista não oferece respostas, mas sustenta o enigma do sentir. A emoção, então, deixa de ser um dado bruto, torna-se uma construção consciente, mas sem perder a profundidade de suas raízes inconscientes. A cura, nesse sentido, não é apagar o sofrimento, mas devolver ao sujeito a capacidade de criar narrativas que respeitem sua singularidade, sem as amarras das lógicas infantis que o prenderam.
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Conclusão: Entre o Passado e o Futuro
Se as emoções são construídas, como afirma Lisa Feldman Barrett, e se o sofrimento é um enigma pulsional, como propôs Freud, a psicoterapia psicanalítica se apresenta como um espaço privilegiado para reconstruir as lógicas que nos governam. Não se trata de alcançar uma "verdade" emocional, mas de transformar o modo como sentimos, de permitir que as narrativas inconscientes encontrem novos caminhos para expressar o que pulsa em nós. Na interface entre corpo, desejo e linguagem, a psicanálise nos ensina que, ao reescrever nossas emoções, podemos também reescrever nossas vidas.
Criado com auxílio de IA
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