A intersecção entre René Roussillon e Thomas Ogden traz à cena da psicanálise uma tessitura densa e fluida, como se, na sala de análise, uma nova linguagem estivesse sendo costurada, a cada sessão, a cada gesto, a cada silêncio. Ambos os teóricos, de modos distintos, buscam penetrar a profundidade da experiência emocional, mas não para transformá-la em uma série de conceitos cristalizados. Em vez disso, procuram reanimar o movimento do sentir, resgatar o que ali, no corpo, nas entrelinhas do afeto, ainda pulsa de modo indizível. O que emerge desse encontro não é um simples ajuste de perspectivas, mas um campo expandido onde a prática psicanalítica se reconfigura, menos como um método de interpretação e mais como um espaço de criação viva.
Ogden nos fala do terceiro analítico, essa presença fantasmática que habita o intervalo entre analista e paciente, como se ali houvesse um fluxo que os perpassa, um sonho compartilhado que não pertence a nenhum deles, mas que também não existe sem os dois. Essa ideia ressoa, de um modo peculiar, com o que Roussillon identifica como o terceiro incluído, um território transicional onde o paciente pode experimentar sua própria subjetividade de maneira menos sufocada, menos rígida. No encontro entre essas duas perspectivas, o que se abre é uma psicanálise que se dedica a escutar não apenas o que é dito, mas o que insiste em permanecer à margem do simbólico.
É que, para Roussillon, muito do que se perdeu nas experiências traumáticas precoces não pode ser simplesmente traduzido em palavras. Há ali uma falha na simbolização, uma ruptura no fio do sentido, e a tarefa do analista não é a de escavar o inconsciente como quem busca tesouros escondidos, mas de criar um espaço onde a própria capacidade de simbolizar possa ser restaurada. Esse espaço não é dado, mas é tecido na delicadeza da relação, um espaço onde o que foi esmagado pela experiência pode, enfim, começar a respirar. E é precisamente aqui que Ogden entra em cena com sua ideia de sonhar o sonho não sonhado pelo paciente.
O que significa isso, afinal, senão um convite a coabitar um terreno de incerteza, onde as palavras falham e o que resta é uma espécie de sonhar junto, uma busca por dar forma ao informe, por traduzir o que nunca foi verdadeiramente vivido? Há, nesse movimento, um reconhecimento de que nem tudo pode ser pensado diretamente, de que certas experiências não foram apenas reprimidas, mas ficaram como que congeladas, impossíveis de serem tocadas. A análise, então, torna-se esse espaço onde se pode, pela primeira vez, tocar aquilo que antes era apenas um eco distante, um grito abafado no fundo do corpo.
No entanto, essa escuta não é uma técnica, uma habilidade que se aprende como se aprende um ofício. É mais como um estado de presença, uma abertura que exige do analista não apenas a capacidade de interpretar, mas de se deixar afetar, de entrar em contato com as ressonâncias que se movimentam na sala. Para Ogden, a reverie é precisamente isso: uma forma de escuta que não busca compreender, mas acompanhar, como se o analista tivesse que se deixar flutuar nas correntes do inconsciente alheio, permitindo que algo se revele no próprio ato de estar ali, junto, em silêncio.
E é aqui que Roussillon oferece uma chave adicional. Para ele, a regressão no setting analítico não é um retrocesso, mas uma abertura, uma chance de que o paciente possa, enfim, experimentar um retorno àquilo que não foi. Não se trata de recuperar um passado perdido, mas de criar, nesse espaço analítico, um modo de ser que nunca teve a chance de se manifestar. É uma psicanálise que não é tanto sobre o que foi, mas sobre o que ainda pode vir a ser, uma insistência na potência do presente como o local onde o passado pode, enfim, encontrar sua resolução.
Esse encontro entre os dois teóricos, então, não é apenas um jogo de conceitos, mas uma verdadeira revolução na prática clínica. O analista se torna menos um intérprete e mais um co-participante, alguém que se compromete a acompanhar o paciente em uma jornada que não é apenas de descobertas, mas de invenções. O que está em jogo não é apenas trazer à luz o que estava oculto, mas criar uma nova forma de habitar o mundo, uma nova possibilidade de existir.
Talvez seja por isso que a prática que emerge desse encontro é tão exigente. Ela pede do analista não apenas um conhecimento técnico, mas uma abertura à experiência, uma disposição a se perder e se reencontrar na relação. Roussillon e Ogden parecem nos dizer que o que realmente importa é essa capacidade de criar, juntos, um espaço onde o sofrimento possa se transformar em algo que, finalmente, pode ser vivido. Um espaço onde a dor pode ser simbolizada, mas, antes disso, sentida, partilhada, ressignificada.
No fundo, essa é uma psicanálise que se recusa a ser reduzida a uma técnica ou a um conjunto de saberes fixos. Ela é, antes, uma arte da presença, uma poética da escuta. Talvez seja isso que ambos os teóricos compartilham: a crença de que, no final das contas, o que cura não é o conhecimento, mas o encontro. A cura não é uma questão de compreensão, mas de criação, de abrir espaço para que algo novo possa surgir. E, nesse processo, analista e paciente sonham, juntos, os sonhos que nunca foram sonhados.
Criado com auxílio de IA
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