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Foto do escritorMário Bertini

As competências Centrais da Psicanálise Relacional: Uma Reflexão

As Competências Centrais da Psicanálise Relacional: Uma Reflexão


Na prática relacional, a essência do trabalho analítico não se encontra no domínio técnico, mas na qualidade do encontro humano. Não há mapa que guie o analista com segurança; há apenas o compromisso ético e estético de habitar a complexidade da relação, sustentando o que emerge com coragem e delicadeza. É neste contexto que as competências descritas por Roy Barsness se tornam instrumentos vivos, mais próximos de uma música improvisada do que de uma partitura fixa.


1. Intenção Terapêutica


A intenção é o pulsar silencioso que dá ritmo à análise. Ela não é uma técnica ou uma meta rígida, mas uma disposição de presença, um compromisso em sustentar o espaço terapêutico como um lugar de transformação. Trata-se de cultivar uma escuta que vá além do discurso manifesto, alcançando as nuances que revelam o que ainda não pode ser dito. A intenção terapêutica não está em solucionar, mas em criar as condições para que o paciente descubra, no diálogo, novas formas de ser.


2. Postura e Atitude Terapêutica


O analista relacional se posiciona não como o guardião do saber, mas como alguém que partilha do processo. É uma atitude que exige humildade, uma aceitação de que o saber analítico é sempre situado e co-construído. A postura terapêutica, nesse sentido, é uma escolha ética de habitar o não-saber, uma abertura constante para o imprevisível do encontro, onde paciente e analista, cada um com sua vulnerabilidade, constroem um campo de cuidado e criação.


3. Escuta Profunda e Imersão


A escuta profunda é mais do que ouvir palavras; é ouvir o que silencia por trás delas. É um mergulho no mundo do paciente, um esforço contínuo para compreender o que não foi plenamente vivido ou articulado. Para o analista, essa escuta exige não apenas técnica, mas uma disponibilidade emocional, uma coragem de se deixar tocar pelo que o outro traz, reconhecendo que, na relação, ambos se transformam.


4. Dinâmica Relacional: O Lá-e-Então e o Aqui-e-Agora


O passado e o presente dialogam no espaço analítico de maneira inescapável. O "lá-e-então" das experiências primordiais do paciente aparece como fantasmas que se inscrevem no "aqui-e-agora" da relação com o analista. Transitar entre essas dimensões temporais não é apenas uma questão de interpretação, mas de vivência. O passado é sentido no presente, e é nesse espaço de sobreposição que o analista trabalha, oferecendo ao paciente a possibilidade de ressignificar o que antes parecia fixo.


5. Padrões e Conexões


A prática analítica é, em grande parte, uma busca por padrões: os ecos que reverberam entre experiências passadas e comportamentos presentes. Reconhecer esses padrões e, sobretudo, ajudar o paciente a fazer as conexões entre eles, é abrir caminho para que a repetição se torne consciência. Mas a tarefa do analista não é simplesmente expor esses padrões; é fazer com que eles se tornem narrativas vivas, carregadas de sentido, capazes de transformar.


6. Repetição e Elaboração


A repetição é uma forma de insistência, um modo pelo qual o trauma se mantém vivo. Na relação analítica, essas repetições não são evitadas, mas acolhidas como oportunidades de elaboração. O analista precisa suportar o desconforto do que retorna, guiando o paciente no processo de vivenciar de forma diferente aquilo que antes parecia inescapável. Elaborar a repetição é dar à memória um novo espaço de expressão, onde ela pode finalmente encontrar descanso.


7. Fala Corajosa e Espontaneidade Disciplinada


A palavra do analista é um instrumento delicado, capaz de abrir ou fechar caminhos. Falar com coragem é arriscar-se, é oferecer interpretações ou verdades relacionais que podem, no momento certo, romper barreiras e produzir novos sentidos. Mas essa coragem deve ser disciplinada, guiada não pelo desejo do analista, mas pelas necessidades do paciente. A espontaneidade, nesse contexto, é uma prática cuidadosa, que respeita a temporalidade do outro e a fragilidade do espaço analítico.


8. O Amor


No centro da psicanálise relacional, de forma talvez implícita, habita o amor — não o amor romântico ou idealizado, mas o amor como cuidado, como compromisso ético, como a capacidade de sustentar o outro em sua vulnerabilidade. O amor, aqui, não é sentimentalismo; é o fundamento ético do trabalho analítico, uma escolha de permanecer junto ao paciente, mesmo diante do que é difícil ou doloroso. Amar, nesse contexto, é criar um espaço onde o sofrimento pode ser acolhido sem julgamento, onde as rupturas podem ser reparadas, e onde o outro pode ser visto em sua totalidade. É, enfim, o gesto silencioso que sustenta todas as outras competências, o fio que as entrelaça e dá sentido à prática analítica.


Conclusão


As competências descritas por Barsness não são meros passos técnicos; são, antes, modos de habitar a relação analítica com sensibilidade e responsabilidade. Elas nos lembram que a psicanálise relacional não é sobre controlar ou dirigir, mas sobre estar com o outro, sustentando o desconhecido, aceitando o risco e confiando na potência do encontro. E, acima de tudo, elas nos lembram que é o amor — na forma de cuidado, presença e respeito profundo — que torna possível a transformação e o florescimento do humano no espaço da análise.



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