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"Entre Fragmentos e Integrações: A Dança dos Estados do Self nos Níveis de Organização da Personalidade"

Foto do escritor: Mário BertiniMário Bertini

A vida psíquica é sempre um jogo de tensões. Entre os extremos da integração e da fragmentação, o self encontra-se continuamente convocado a se construir, dissolver-se, reconstituir-se. Otto Kernberg, ao descrever os níveis de organização da personalidade, oferece um mapa que parece rígido em sua lógica estrutural, mas que guarda, em seus interstícios, uma abertura para o fluxo incessante de estados que compõem o self. Se a neurose sustenta uma coesão segura, mas às vezes sufocante, a borderline balança no fio tênue entre o caos e a ordem, enquanto a psicose atravessa os limites do reconhecível, lançando o self em territórios estrangeiros.


E então surge a questão: como esses níveis dialogam com a multiplicidade do self, tão bem explorada por autores como Bromberg e Ogden? O self, esse "eu" que nos habita, raramente é uma unidade estável; ele é, na verdade, uma série de fragmentos, de estados em constante trânsito. Philip Bromberg nos lembra que saúde mental não é a ausência de fragmentação, mas a capacidade de "estar nos espaços" entre diferentes estados, sem ser destruído pela transição. Aqui, encontramos uma ponte que conecta o mapa kernberguiano à fluidez contemporânea do self.


A multiplicidade como condição humana


Na organização neurótica, os estados múltiplos do self coexistem sob a égide de uma narrativa integradora. Há conflitos, claro, mas eles acontecem no terreno do reconhecível, do narrável. Um sujeito pode se sentir contraditório, mas ainda assim manter uma linha contínua entre seus diferentes estados – o profissional que, ao chegar em casa, torna-se o pai afetuoso, mas que carrega as sombras do cansaço do dia. É uma multiplicidade harmoniosa, como uma sinfonia onde cada instrumento sabe seu lugar.


Já na organização borderline, essa sinfonia se transforma em cacofonia. A cisão, que em Kernberg é um mecanismo central, impede que os estados do self conversem entre si. O indivíduo pode ser, em um momento, tomado por um self idealizado, pleno de grandeza, para, logo em seguida, ser engolido por um self depreciado, habitado pelo vazio. Não há ponte, apenas abismos. Bromberg diria que o problema não está na existência de múltiplos estados, mas na incapacidade de transitar entre eles sem que um estado anule o outro.


O colapso da integração


No nível psicótico, o self entra em colapso. Aqui, a metáfora não é mais a de uma sinfonia ou de abismos, mas de fragmentos que não se reconhecem como parte de um todo. Cada estado é vivido como uma entidade à parte, às vezes até como uma presença externa. André Green nos oferece um insight valioso ao falar do vazio psíquico, do silêncio que ocupa o lugar de uma integração impossível. Não é que os estados do self sejam múltiplos – eles são fragmentos flutuantes, destituídos de eixo.


Entre Kernberg e Bromberg: um diálogo necessário


Se Kernberg nos oferece as estruturas e as dinâmicas que sustentam ou colapsam a personalidade, Bromberg e Ogden nos lembram que o self é, antes de tudo, relacional e contextual. Os níveis de organização da personalidade não são apenas categorias; são paisagens onde o self circula, tenta se situar, às vezes falha, às vezes encontra uma espécie de lar provisório. A multiplicidade do self, portanto, não é uma falha ou patologia, mas uma condição intrínseca da vida psíquica.


O que diferencia a neurose da borderline ou da psicose não é a presença ou ausência de múltiplos estados do self, mas a capacidade de reconhecê-los como parte de um todo, mesmo que esse todo seja fluido, impermanente. É na transição, nesse "estar nos espaços" que Bromberg descreve, que a saúde psíquica se manifesta. E talvez seja aqui que Kernberg e os autores contemporâneos se encontram: no reconhecimento de que a integração nunca é plena, que a vida psíquica é feita de fragmentos, e que o trabalho da psicanálise não é eliminar essa multiplicidade, mas ajudá-la a encontrar sua música própria, mesmo que dissonante.


Criado com auxílio de IA



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