A psicanálise sempre ocupou um lugar peculiar no campo das ciências humanas, em parte por sua capacidade de resistir à objetivação que define tanto o imaginário quanto as práticas das ciências naturais. O ato analítico, com seu caráter profundamente singular, escapa às grades quantitativas, ao controle da variabilidade humana, para situar-se na fenda entre o saber e o não-saber. E, no entanto, nos últimos anos, um número crescente de estudos busca inserir a prática psicanalítica no terreno das evidências empíricas, como se fosse possível traduzi-la para a linguagem do método experimental, como se o inconsciente pudesse ser mensurado em tabelas e gráficos.
Jonathan Shedler, em 2010, ofereceu um marco nesse percurso, propondo uma revisão das evidências disponíveis para as psicoterapias psicodinâmicas. A conclusão é clara: a eficácia dessas abordagens não só se equipara à de terapias mais populares, como a cognitivo-comportamental, mas também demonstra uma peculiaridade que a distingue – os efeitos da psicanálise não apenas persistem após o término do tratamento, mas, em alguns casos, continuam a se aprofundar com o tempo. O inconsciente, em sua força silenciosa, parece prolongar o trabalho analítico mesmo quando a palavra já não ecoa no setting.
É tentador pensar que essa constatação legitima a psicanálise no debate contemporâneo sobre intervenções terapêuticas, mas também há algo inquietante nessa insistência em traduzi-la para o vocabulário do "baseado em evidências". Não estaria a psicanálise, ao se render a essa validação, traindo parte de seu ethos? Afinal, o que se busca no processo analítico não é a eficiência, no sentido técnico do termo, mas algo que beira o inominável: a transformação subjetiva, a reconfiguração de um destino psíquico.
Os estudos de Bateman e Fonagy, focados na terapia baseada na mentalização, são emblemáticos dessa tensão. Ao mostrar que pacientes diagnosticados com transtorno de personalidade borderline podem experimentar melhorias duradouras com intervenções inspiradas na psicanálise, os autores celebram um feito notável. Mas essa durabilidade dos efeitos – oito anos, no caso de um dos estudos – não pode ser reduzida a números ou gráficos. Ela é a expressão de algo que resiste à quantificação: o lento trabalho de reconstrução do tecido psíquico.
A meta-análise de Leichsenring e Rabung (2008) reforça essa perspectiva ao apontar a eficácia das psicoterapias psicodinâmicas de longo prazo no tratamento de transtornos complexos. Aqui, novamente, encontramos uma peculiaridade que desafia a lógica instrumental da ciência contemporânea. Se as terapias breves oferecem soluções rápidas, a abordagem de longo prazo aposta na paciência, no ritmo do inconsciente, na necessidade de esperar que algo se desdobre no tempo. O tempo do inconsciente não é o tempo cronológico; é o tempo do trauma, da repetição, mas também da criação de novas narrativas.
Outro ponto central é a revisão sistemática de Abbass et al. (2014), que explora a eficácia de psicoterapias psicodinâmicas de curta duração. Aparentemente, essas intervenções concorrem no mesmo campo das terapias cognitivo-comportamentais, mas há algo diferente em seu modo de operar. Elas não buscam apenas aliviar sintomas; trabalham para abrir brechas na estrutura do sofrimento, permitindo que algo da singularidade do sujeito emerge.
É no estudo TADS, conduzido por Fonagy e colaboradores, que a tensão entre a psicanálise e o discurso das evidências alcança seu ápice. Pacientes com depressão resistente ao tratamento, que poderiam ser considerados "casos perdidos" na medicina convencional, encontram na psicanálise de longo prazo uma possibilidade de mudança. E não se trata apenas de uma diminuição dos sintomas, mas de uma transformação mais ampla, que abrange a subjetividade, a relação com o mundo, o modo de habitar a existência.
No entanto, a pergunta permanece: o que estamos medindo quando medimos a eficácia da psicanálise? Será que é possível traduzir em números aquilo que se desdobra no espaço da transferência, nos silêncios compartilhados, nas palavras que escapam à compreensão imediata? A psicanálise, ao buscar seu lugar no campo das evidências, corre o risco de se reduzir a uma técnica, perdendo o que a define: a aposta no enigma, na incerteza, no movimento contínuo da pulsação psíquica.
Por outro lado, é preciso reconhecer que esse movimento em direção às evidências não é apenas uma concessão à modernidade, mas também uma tentativa legítima de dialogar com outras formas de saber. Ao se abrir ao campo empírico, a psicanálise reafirma seu compromisso ético: não se trata de proteger um dogma, mas de buscar formas de cuidado que realmente transformem vidas. A pesquisa empírica, nesse sentido, não é um inimigo, mas um parceiro com o qual é possível negociar.
O desafio, então, é encontrar uma linguagem que preserve o que há de singular na experiência analítica, sem, contudo, cair na armadilha do isolamento. A psicanálise não pode se fechar em um discurso autorreferencial, mas também não deve diluir-se nas exigências de uma ciência que muitas vezes ignora as dimensões mais sutis do humano. É nesse espaço de tensão, entre o rigor da evidência e a abertura ao mistério, que a psicanálise pode se renovar.
Talvez a verdadeira força da psicanálise resida justamente em sua resistência ao fechamento. Como uma obra aberta, ela insiste em permanecer em movimento, em reconfigurar-se diante das novas exigências de seu tempo, sem, contudo, trair seu núcleo ético. E é nesse gesto – de não se fixar, de continuar interrogando – que ela encontra sua legitimidade, não apenas como prática terapêutica, mas como uma forma de pensar e habitar o mundo.
Criado com auxílio de IA
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