O brincar e o humor nos convocam a um território de paradoxos, onde a ausência se insinua e, ao mesmo tempo, ganha corpo, onde o vazio é habitado e se transfigura em criação. Pensar esses fenômenos na perspectiva psicanalítica, sobretudo a partir de André Green e René Roussillon, é entrar na textura das ausências que moldam a experiência psíquica, essas zonas limiares onde a dor se mistura ao desejo, onde o inominável se insinua como um eco que pede representação. O brincar e o humor, nesses espaços, não são meros gestos: são acontecimentos, intervalos em que a vida, por um instante, se reinscreve.
André Green nos fala de uma psicanálise das ausências, de um psiquismo que se organiza não apenas em torno do que está presente, mas, sobretudo, em torno do que falta. A ausência, em sua leitura, é a matéria-prima do simbólico: aquilo que não está, mas que persiste em sua evocação, exigindo um trabalho incessante de representação. O brincar, nesse cenário, é mais que um ato; é uma cena onde o sujeito ensaia, desdobra, experimenta o indizível. Entre o objeto perdido e a fantasia, o brincar torna-se um lugar onde a ausência ganha contornos, onde a angústia de uma perda insuportável se dissolve no movimento da criação.
Mas há algo no brincar que ultrapassa a simbolização simples. Para René Roussillon, o brincar se dá num espaço entre: entre o eu e o outro, entre o real e o imaginário, entre o que foi vivido e o que ainda está por ser narrado. É ali que o sujeito reencontra experiências desintegradas, pedaços de si que jamais se organizaram em uma trama simbólica. No brincar, o inacabado não só retorna, mas retorna transformado – pela presença do outro, pelo movimento de dar forma ao informe, pelo próprio gesto de inventar. No humor, uma lógica semelhante opera, mas com um deslocamento radical: o que era sofrimento se torna riso, o que era intransponível é contornado pela surpresa, pela quebra da rigidez.
Há um paradoxo essencial no humor: ele acolhe a dor ao mesmo tempo em que a subverte. Diferente do brincar, que trabalha na plasticidade da ausência, o humor desafia o peso do que é. Ele é um gesto de ruptura, de reescrita instantânea do sofrimento em algo que possa ser suportado. Freud o identificou como economia psíquica, mas Green e Roussillon o reconhecem como uma força criativa, um artifício que permite ao sujeito não apenas escapar da dor, mas ressignificá-la. Não é defesa; é invenção. É na piada que o trágico se transforma em um espaço habitável, onde o que faltava se torna, por um momento, presença leve.
E o que dizer desse instante onde o brincar e o humor se encontram? Ambos vivem na tensão entre o que foi perdido e o que pode ser criado. Ambos nos convidam a revisitar o que falta sem sucumbir ao desamparo. No brincar, a ausência é elaborada; no humor, ela é revirada, desafiada, transformada em algo que pode ser dito e partilhado. Não são apenas gestos individuais; são, profundamente, formas de estar no mundo. Formas de encontrar no vazio – que poderia paralisar – um espaço para o gesto, para a palavra, para o riso.
Na clínica, esses movimentos têm uma potência singular. O brincar, para Roussillon, é uma reinvenção da capacidade simbólica, uma oportunidade de reparar o que ficou fragmentado, perdido no tempo. O humor, em sua vertente mais inesperada, é uma forma de sustentar o insustentável, de devolver ao paciente um lugar onde a dor pode ser contornada e, então, enfrentada. Na relação analítica, o brincar e o humor não são ferramentas; são encontros. São momentos onde o sujeito, na presença do analista, se permite ensaiar novas formas de simbolizar sua própria história.
E talvez seja nisso que ambos, o brincar e o humor, nos interpelam: na possibilidade de recriar, de transitar entre o vazio e o cheio, de habitar a ausência sem ser tomado por ela. No brincar, como no humor, há sempre uma promessa: a de que, mesmo diante do que se perdeu, algo novo pode surgir. E é nesse surgimento – improvável, inesperado, mas profundamente humano – que encontramos o fôlego para seguir.
Criado com auxílio de IA
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