O medo e a esperança caminham juntos, como dois lados de uma mesma moeda, ambos sustentados pela tensão de um futuro que não se apresenta. Onde há medo, há esperança, e onde há esperança, há medo – ambos revelam o traço de uma falta, uma ausência que não se pode preencher. É dessa falta que o desejo emerge, como o motor que nos empurra para além daquilo que é, e, ao mesmo tempo, nos mantém presos na teia daquilo que nunca será plenamente alcançado. Na leitura de Lacan, o desejo é sempre o desejo do Outro, nunca uma propriedade, mas uma busca incessante por algo que se insinua no intervalo, na lacuna.
O que significa superar a incerteza, então? Não se trata de eliminá-la – o desejo não existe sem a falta que o sustenta, sem o vazio que lhe confere forma. Superar, aqui, não é aniquilar, mas habitar o campo da incerteza, assumir a potência que emerge desse não-saber, desse impossível de alcançar. Lacan nos ensina que o desejo não é aquilo que nos falta no sentido banal, mas uma estrutura que nos constitui. O sujeito do desejo é um sujeito dividido, sempre em busca de um objeto que, na verdade, só existe como função, como objet petit a, um ponto de fuga que organiza nossa existência, mas que nunca se deixa capturar.
O medo é, em parte, a angústia de se confrontar com a própria falta, com a impossibilidade de completude. É o confronto com o real, esse registro que Lacan define como aquilo que resiste à simbolização. Já a esperança nasce do jogo simbólico, da promessa que o Outro nos faz, ainda que nunca seja capaz de cumprir. Esperamos porque desejamos, e desejamos porque não temos – mas, ao mesmo tempo, porque sabemos que nunca teremos. O desejo é, portanto, o que nos movimenta, o que nos sustenta no próprio ato de viver. Não há potência fora dele, porque é nele que o sujeito encontra sua existência mais autêntica, mesmo que em uma forma fraturada.
Superar a incerteza, então, seria uma espécie de aceitação da estrutura desejante que nos habita. É suportar o vazio sem tentar preenchê-lo, sem se perder na ilusão de que o medo pode ser completamente extinto ou que a esperança pode ser plenamente realizada. É reconhecer que o desejo não é um problema a ser resolvido, mas uma condição a ser vivida.
No campo psicanalítico, essa aceitação implica abrir mão da busca por garantias, por respostas definitivas. É nisso que reside a potência do desejo: não em oferecer certezas, mas em insistir no movimento, na abertura, na possibilidade de criar novos significantes, novas formas de vida. O desejo, como Lacan insiste, nunca é aquilo que nos aprisiona – o que nos aprisiona é a tentativa de silenciá-lo, de reduzi-lo a algo que possamos controlar.
Habitar o desejo, nesse sentido, é habitar o intervalo, o hiato entre medo e esperança. É nesse intervalo que a vida pulsa, não como promessa de futuro, mas como insistência no presente, como uma força que nos empurra para frente mesmo quando tudo parece se desfazer. Não se trata de eliminar a incerteza, mas de encontrar nela a própria condição da potência, do movimento que nos torna, sempre, sujeitos em devir.
Exemplo:
Imagine uma pessoa que, diante de uma nova oportunidade de trabalho, sente um misto de medo e esperança. Por um lado, ela teme não ser capaz de corresponder às expectativas, falhar na entrevista, não conseguir a vaga e enfrentar o constrangimento do fracasso. Por outro, ela nutre a esperança de conquistar aquele posto, melhorar sua vida financeira, afirmar-se profissionalmente e finalmente ser reconhecida. Esse entrelaçamento entre o medo do insucesso e a esperança do êxito mantém o desejo vivo: o desejo de tentar, de se arriscar, de se colocar diante do desconhecido. Esse movimento não se resolve jamais em uma certeza plena, mas é justamente a falta dessa garantia – a tensão entre o “não ter ainda” e o “poder vir a ter” – que alimenta o desejo, mantém a pessoa em movimento, buscando aquilo que ela ainda não alcançou.
Criado com auxílio de IA
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