O ano novo chega como uma brisa que desperta e inquieta, um sopro que parece trazer consigo a promessa de recomeço. Nas ruas, as pessoas se movem com a expectativa de um futuro melhor; os cadernos, com suas páginas imaculadas, convidam à escrita de metas e resoluções, como se o ato de planejar pudesse domesticar o tempo, dobrá-lo aos caprichos de uma vontade que acreditamos ser soberana. Mas a experiência ensina outra coisa: que o tempo é um fluxo que não se deixa conter, e que o desejo, em vez de ser uma ausência que busca preencher-se, é mais como um rio subterrâneo que corre, incessante, em busca de reencontrar o mar de onde veio.
Em vez de projetar o desejo no futuro, talvez devêssemos reconhecê-lo como uma memória que pulsa. Algo que nos chama de volta, não ao passado literal, mas a uma sensação, um estado de ser, como o aroma da infância que nos invade ao acaso e nos faz querer habitar novamente aquele instante fugaz. O desejo, nesse sentido, não se reduz à carência, mas à busca de algo que sentimos existir, ainda que não saibamos nomeá-lo. E é precisamente essa falta de nome que o torna vital, irredutível.
As metas de ano novo, contudo, são tentativas de capturar o indomável. Elas transformam o desejo em tarefa, como se a vida pudesse ser vivida em listas de pendências a cumprir. Há algo de desesperado nesse gesto: ao fixarmos um objetivo, acreditamos que podemos escapar da incerteza do que está por vir. Mas a vida – a verdadeira vida, aquela que nos atravessa e nos surpreende – raramente acontece nos espaços que planejamos. Ela está no intervalo entre um compromisso e outro, no tropeço, naquilo que se infiltra enquanto estamos ocupados tentando controlar o incontrolável.
A psicanálise freudiana, com sua insistência na complexidade do desejo, nos alerta contra a armadilha do controle. O desejo não é um artefato a ser produzido; é uma força que nos movimenta. Ele nos conduz como uma música cujas notas conhecemos de algum lugar, mas cuja melodia completa nunca conseguimos reconstituir. Cada passo em direção a ele é, simultaneamente, um reencontro e uma perda, uma aproximação e um afastamento. E nessa dança entre o que se busca e o que se encontra, reside o verdadeiro movimento do viver.
Traçar metas, portanto, é uma tentativa de congelar a dança, de fixar os passos em um padrão previsível. É como tentar conter o vento em um frasco: no momento em que acreditamos tê-lo capturado, ele já se dissipou. O desejo, ao contrário, exige abertura. Exige que nos coloquemos em movimento sem saber ao certo aonde iremos chegar. Ele não tolera o confinamento das certezas; precisa do espaço do imprevisto, daquilo que não se pode antecipar.
Em vez de escrever metas, seria mais proveitoso aprender a ouvir os movimentos do desejo. Não o desejo entendido como carência, mas como aquele impulso que nos reconecta com algo essencial, algo que, em algum momento, já fomos e que ainda insistimos em ser. Esse desejo não exige conquistas, mas uma espécie de entrega. Não se trata de fazer, mas de estar presente. Não de alcançar, mas de permitir-se ser alcançado.
O início de um novo ano deveria ser como o desabrochar de uma flor: um processo que não é determinado pela vontade, mas pela confluência de fatores que se encontram no momento certo. Não há metas para a flor que desabrocha; há apenas a entrega ao ciclo da vida, ao que é inevitável e, ao mesmo tempo, misterioso. Há algo profundamente libertador nessa imagem: a ideia de que não precisamos controlar o processo para que ele aconteça.
Talvez o convite do novo ano seja menos sobre planejar e mais sobre habitar. Habitar o momento, o instante, o encontro. Abrir-se ao que o tempo traz, com a consciência de que nem tudo pode ser previsto, e que é justamente nessa imprevisibilidade que reside o sentido. Em vez de tentar controlar o tempo, deveríamos aprender a dançar com ele, como quem se deixa levar por uma música que não conhece, mas que ainda assim sente profundamente.
As metas, com suas promessas de eficiência e produtividade, são sedutoras porque oferecem uma ilusão de segurança. Mas é uma segurança vazia, um esforço para domesticar o selvagem. O desejo, em contrapartida, é selvagem por natureza. Ele nos desconcerta, nos move para além do que acreditávamos ser possível. É ele que nos faz largar a lista de metas e sair para caminhar sem rumo, simplesmente porque algo no ar nos chama.
O novo ano, então, não deveria ser um palco para o cumprimento de objetivos, mas um espaço para a escuta do desejo. Para o reencontro com aquilo que já fomos e ainda somos, mesmo que de forma fragmentada. Não é sobre o que queremos alcançar, mas sobre como podemos nos deixar ser tocados pelo que encontramos ao longo do caminho. É sobre permitir que o tempo nos surpreenda, em vez de tentar aprisioná-lo em fórmulas e listas.
E, assim, diante da inevitabilidade do que está por vir, o único gesto verdadeiramente humano é o da abertura. Não se trata de esperar passivamente, mas de viver ativamente na expectativa do encontro. Porque o que o tempo nos reserva nunca é apenas o que planejamos, mas o que nem sequer ousamos imaginar. E é nesse espaço do inesperado que o desejo se realiza, não como uma meta cumprida, mas como um reencontro com a própria vida.
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