O rabisco, em sua simplicidade, é quase um enigma: uma linha que atravessa o vazio, mas não o preenche; um traço que interrompe a brancura do papel e ao mesmo tempo inaugura o espaço. Quando Winnicott propôs o "squiggle game", ele não estava apenas desenhando com crianças. Ele estava abrindo um campo — um espaço potencial — onde a subjetividade encontra a alteridade, onde o gesto espontâneo do brincar revela as camadas mais sutis do mundo interno. O rabisco, aparentemente despretensioso, é uma chave que nos leva para dentro, mas também nos conecta ao outro. É nesse limiar, entre o interno e o externo, que o sistema play, como descrito pela neuropsicanálise, entra em cena.
Na neuropsicanálise, o sistema play é mais que uma atividade lúdica. Ele é, como diria Jaak Panksepp, a raiz de uma experiência emocional que transcende a mera brincadeira. Play é um sistema motivacional básico, ancorado em circuitos cerebrais profundos que regulam a alegria, o vínculo e a criatividade. No squiggle game, esse sistema é convocado de forma deliberada, mas não coercitiva. O rabisco inicial é um convite: algo surge, mas não é ainda algo — é preciso criar, dar forma, brincar com o indeterminado. Essa interação ativa os circuitos do play, promovendo a exploração segura de territórios emocionais, onde o medo, o desejo e a fantasia podem se entrelaçar sem riscos.
O que Winnicott intuiu — e a neuropsicanálise confirma — é que o brincar não é apenas uma atividade da infância, mas um estado de existência. Brincar, no contexto do squiggle game, não é um meio para atingir um fim, mas um fim em si mesmo, um espaço onde a criança pode se reconhecer como criadora e habitante de seu próprio universo simbólico. O rabisco transformado em desenho é um testemunho dessa criação: o gesto do analista e o gesto da criança dialogam, formando uma narrativa compartilhada, um espaço onde ambos se encontram sem que um anule o outro.
Mas há algo mais. O squiggle game, ao engajar o sistema play, resgata o corpo no ato de criar. O traço no papel, a pressão do lápis, o movimento da mão — tudo isso é vivido no corpo antes de ser traduzido em imagem ou palavra. E, como sugere a neuropsicanálise, a brincadeira está intrinsecamente ligada ao corpo e às suas sensações. O prazer do brincar, tão evidente nos jogos de filhotes de mamíferos, é também um prazer do corpo em ação, uma celebração do movimento como expressão de vida.
No squiggle game, essa dimensão corporal não é explícita, mas está presente. O rabisco é o movimento capturado no papel, o rastro de um gesto que nasceu no corpo. Transformá-lo em um desenho é um ato que exige mais que imaginação; exige conexão. Conexão com o outro que fez o rabisco, conexão com a própria capacidade de criar sentido a partir do caos, conexão com o próprio corpo que desenha e sente. É aqui que o sistema play, na sua essência neuropsicanalítica, se revela como um mediador não apenas do prazer, mas do vínculo.
Winnicott falava do espaço potencial como um lugar entre o eu e o outro, entre o interno e o externo. A neuropsicanálise nos ajuda a compreender que esse espaço também é mediado pelo cérebro, pelos sistemas motivacionais que sustentam nossa capacidade de brincar, vincular e criar. O squiggle game, então, não é apenas uma técnica; é uma encenação do encontro humano em sua forma mais primordial e transformadora. É o brincar como metáfora da vida: um rabisco que pode se tornar qualquer coisa, desde que haja alguém disposto a dar-lhe forma.
Criado com auxílio de IA
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