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O Tempo como Vestígio e Resistência

Foto do escritor: Mário BertiniMário Bertini


Há um espaço entre o que pensamos e o que vivemos, um intervalo quase imperceptível que, quando notado, parece se expandir. Não é vazio, tampouco preenchido; é um silêncio denso que resiste a definições. Esse espaço é onde o tempo se esconde, ou talvez onde ele se revela – não o tempo cronológico que os relógios ditam, mas aquele que pulsa nos desvios, nas hesitações, nos gestos que se prolongam ou se interrompem. Um tempo que não se mede, mas que se sente. E, ao senti-lo, surge uma urgência: como capturá-lo sem destruí-lo?


Sempre tive a impressão de que o tempo nos observa. Ele está nos olhos que evitam encontrar os nossos, no suspiro antes de uma palavra que não será dita, na pausa entre uma lembrança e sua narrativa. Ao escrever, ao pensar, há sempre a tentativa de dar forma a esse movimento fugidio, como quem tenta reter água entre os dedos. Não se trata de controlar o tempo, mas de habitá-lo, de reconhecê-lo não como um fluxo ininterrupto, mas como uma sequência de vestígios – rastros que indicam onde estivemos, quem fomos, o que quase aconteceu.


Esse vestígio é resistência. Resistência ao apagamento, ao esquecimento, à pressa que nos empurra sempre para o próximo instante, como se o atual fosse insuficiente. Resistir ao tempo é também escutá-lo, deixá-lo ecoar em suas diferentes frequências: o tempo da infância que nunca se ajusta ao presente, o tempo da espera que dilata e consome, o tempo do corpo que envelhece sem aviso. Há algo de violento no ritmo acelerado que nos força a esquecer essas temporalidades internas, a moldá-las ao compasso externo, à cronologia que organiza mas também oprime.


No fundo, talvez, o que busco ao escrever – e ao viver – seja encontrar uma linguagem que respeite o tempo, que não o force a ser linear ou objetivo. Uma linguagem que seja também intervalo, hesitação, ritmo. Talvez seja isso que me fascine nos gestos reflexivos, nas metáforas que não explicam mas desvelam: elas criam uma pausa, abrem uma brecha onde o tempo pode respirar. Não é apenas o que se diz, mas como se diz, o que se omite, o que se repete, o que insiste.


Escrever, então, torna-se um ato de resistência contra o efêmero. Não para negar a passagem do tempo, mas para dar-lhe forma, para torná-lo visível. Como quem molda o barro que seca, sabendo que ele nunca será eterno, mas também nunca será o mesmo. E, nesse gesto, reconhecemos algo de profundamente humano: a tentativa de reconciliar o vivido com o pensado, de transformar o fugaz em duradouro, de escutar o silêncio entre as palavras. Um gesto que é, ao mesmo tempo, criação e memória.


Criado com auxílio de IA

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