Havia algo no silêncio do paciente que desafiava a lógica linear do progresso. Ele vinha, semana após semana, carregado por um sofrimento que não cedia, que resistia, que se renovava a cada tentativa de alívio. E eu, sentado diante dele, sentia o peso desse silêncio como um convite – não para decifrá-lo, mas para habitá-lo, como quem aprende a respirar em um ambiente rarefeito. A reação terapêutica negativa não é uma recusa simples, uma negação direta ao bem-estar; ela é, antes, uma coreografia íntima entre culpa, dor e repetição.
Freud a descreveu como um fenômeno enigmático: pacientes que, diante do vislumbre de um avanço, retrocedem de maneira quase teatral. Mas não é teatro, e sim uma peça encenada no palco do inconsciente, onde o supereu severo dirige e o masoquismo moral desenha os atos. A melhora é vivida como um insulto, um gesto de traição a algo – ou a alguém – perdido. A reação terapêutica negativa é o paradoxo de um sofrimento que, ao mesmo tempo, destrói e sustenta.
O tempo aqui não é Khrónos, o tempo sequencial, que organiza e regula o curso das horas. É um tempo mítico, um Aión que retorna sempre ao mesmo ponto, como um fio que se enrola em si mesmo. Esse enrolar não é mero capricho, mas uma tentativa desesperada de preservar uma identidade construída em torno do sofrimento. Sem ele, o que resta? Quem é o sujeito sem a narrativa que o prende à dor? O trabalho analítico, então, não é sobre “quebrar” esse ciclo, mas aprender a caminhar dentro dele, tocando as bordas de sua repetição.
André Green nos oferece um mapa ao falar do vazio que se instala nesses pacientes. É um vazio que não é a ausência, mas o excesso de uma presença fantasmática – o objeto perdido, a memória do trauma, o peso da culpa. Na reação terapêutica negativa, o sofrimento é a única forma de manter viva essa relação, de dar contorno ao que foi fragmentado. Quando o paciente se recusa a avançar, ele está, na verdade, protegendo algo que ainda não pode abandonar.
Mas como abordar isso sem invadir? A elaboração gradual é o único caminho. Não há atalhos para quem vive preso à repetição; há, sim, a necessidade de permitir que a repetição se desenrole em seu próprio ritmo. Isso significa tolerar o impasse, reconhecer que, por vezes, a estagnação é o único movimento possível. É difícil, porque tudo em nós clama por mudança, por transformação visível. Mas a paciência é a ética do analista frente ao tempo do outro.
O masoquismo psíquico, aqui, não é um desejo consciente de sofrer. Ele é a manifestação de uma lógica inconsciente em que a dor é uma forma de gozo. Jacques Lacan descreveu isso como o circuito do jouissance, uma satisfação que vai além do prazer, que se encontra na própria destrutividade. O paciente, ao recusar o progresso, está, na verdade, afirmando seu lugar em um sistema psíquico que não conhece outra forma de existir. A tarefa analítica é, portanto, oferecer uma alternativa, mas sem pressa, sem imposição.
Em cada sessão, o espaço analítico se torna um campo de experimentação. O paciente revive, na transferência, os mesmos padrões que o aprisionam: a culpa, a punição, a desconfiança. E o analista, com sua escuta, devolve ao paciente um espelho não de julgamento, mas de compreensão. É nesse espelho que, pouco a pouco, o sujeito começa a vislumbrar que seu sofrimento não é a única resposta possível. Mas esse vislumbre é tênue, exige tempo para se consolidar.
Permitir a elaboração gradual é, paradoxalmente, confiar no silêncio. É saber que o que não se diz pode ser tão importante quanto o que é falado. É confiar que o inconsciente tem seu próprio ritmo, que a transformação não ocorre no grito, mas no sussurro. E que o sussurro, ao longo das sessões, pode se tornar uma nova narrativa.
A repetição, antes vista como um inimigo a ser derrotado, transforma-se em um aliado. Porque repetir é, também, tentar, experimentar, ensaiar. Cada retorno ao mesmo ponto é uma nova oportunidade de olhar para ele sob outra perspectiva. E é nesse movimento sutil, quase imperceptível, que a mudança acontece – não como uma ruptura, mas como uma reescrita cuidadosa das linhas que antes pareciam imutáveis.
Ao final, o que a reação terapêutica negativa nos ensina é a humildade frente ao inconsciente. O analista não é um guia que conduz o paciente para fora do labirinto, mas alguém que caminha ao seu lado, ajudando-o a perceber que as paredes podem ser redesenhadas. E que o sofrimento, por mais insuportável que pareça, carrega em si a possibilidade de transformação.
É preciso tempo. Um tempo que não é medido em minutos ou sessões, mas em camadas de significado que se sobrepõem e se revelam. A reação terapêutica negativa não é um obstáculo; é o próprio terreno onde o trabalho analítico acontece. E é nesse terreno, fértil de repetições e silêncios, que o paciente pode, um dia, encontrar uma saída – ou, talvez, perceber que já não precisa mais dela.
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