O negativo é, antes de tudo, uma força que desestabiliza. É o ponto de ruptura, o que fende o tecido da realidade e expõe suas bordas desfiadas. Há algo de incômodo na negatividade, algo que resiste a ser contido. Talvez porque o negativo não se limite a dizer "não" ao mundo; ele o redesenha, introduzindo linhas de fuga e abismos por onde o próprio ser se reconfigura.
Para Hegel, o negativo é movimento. Não o repouso do oposto, mas o fluxo incessante de contradições que forja o real. O ser, em sua positividade inicial, só se compreende porque encontra no nada o seu limite, e desse limite, no devir, uma nova forma de ser emerge. Como quem caminha pela borda de um precipício, é no perigo do abismo que o passo se faz. A dialética hegeliana nos ensina que a negatividade é a força motriz, não um vazio, mas um motor. E ainda assim, nessa força, há um eco de destruição: um corte, um rastro de perda que permanece inscrito no que se torna.
Vladimir Safatle, ao retomar e transformar essas concepções, lança o negativo para além da dialética clássica. Em sua leitura, o negativo não é apenas um estágio do processo dialético rumo à reconciliação, mas uma potência irreconciliável. O negativo, em Safatle, é o que persiste como resto, como ferida que não cicatriza. Ele escreve sobre um negativo que não se deixa submeter à lógica da superação, que se mantém como tensão, como memória de uma violência que o pensamento não pode sublimar. Não há, em sua visão, uma síntese que acolha o trauma; há, no entanto, a exigência de permanecer diante dele.
Adorno dialoga com essa insistência do negativo, mas sob outra luz. Na "Dialética Negativa", o filósofo alemão recusa a conciliação fácil, a positividade que se apressa em apagar as contradições. Para ele, pensar o negativo é resistir: resistir à lógica do capital que reduz tudo ao idêntico, resistir ao fechamento do pensamento em verdades absolutas. O negativo adorna a borda daquilo que não pode ser capturado. É no ruído, no dissonante, no que escapa à harmonia, que a verdade se insinua. Assim, o negativo torna-se um gesto ético: um ato de fidelidade ao que permanece como alteridade radical.
Mas se o negativo ressoa na filosofia, ele reverbera também na experiência psíquica. Em Freud, a negatividade está no cerne do inconsciente: no recalcado que retorna, na falta que estrutura o desejo. Para Lacan, o negativo não é apenas ausência, mas o buraco ao redor do qual o sujeito orbita. Somos constituídos pela falta, pela impossibilidade de completude, pela tensão entre o simbólico que nos organiza e o real que nos escapa. Em Safatle, essa dimensão psíquica do negativo ganha corpo político: há um sofrimento estrutural no social, uma negatividade que o sujeito carrega como memória da violência histórica. Ele fala de um "trabalho do negativo" que não se resolve, mas que insiste em nos convocar a pensar o impensável, a dar forma ao informe.
O negativo, então, não é um território tranquilo. Ele é a angústia heideggeriana diante do nada, é a liberdade sartreana que emerge da negação do ser dado. Mas é também o grito, o rastro de dor, o testemunho de um mundo que não se encaixa em nossas categorias. Pensar o negativo é habitar o incômodo, é aceitar que o real não se fecha em si mesmo, que há sempre uma ruptura, uma ausência, um espaço aberto por onde o impossível entra.
No fundo, o negativo não é apenas um conceito; é uma experiência. É o que sentimos quando algo nos falta, quando uma perda nos define. Mas é também o que nos move, o que nos empurra para o desconhecido. Safatle, com sua leitura provocadora, nos convida a não temer o negativo. Ele nos lembra que, no coração dessa força que desestabiliza, há a promessa de uma transformação radical. Não uma reconciliação, mas uma outra forma de ser, forjada no calor da contradição.
O negativo, em sua essência, não é o fim, mas o começo. Não é o que destrói, mas o que refaz. E, ainda assim, ele nos deixa com a pergunta aberta: que tipo de mundo pode emergir quando não fugimos de suas sombras? Quando habitamos a tensão, a lacuna, o que não cede à harmonia? O negativo, como um murmúrio constante, nos lembra que todo "sim" autêntico nasce de um "não" que não se deixa esquecer.
Criado com auxílio de IA
Comentarios