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Repensando o Uso de Substâncias: Um Olhar Além da Abstinência

Atualizado: 11 de nov.

Repensando o Uso de Substâncias: Um Olhar Para Além da Abstinência


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1. Introdução


O uso de substâncias psicoativas é um fenômeno que atravessa o tecido social, envolvendo dimensões históricas, culturais e subjetivas. No entanto, as abordagens tradicionais, ancoradas na abstinência e na medicalização, frequentemente reforçam estigmas e falham em captar a complexidade das vivências dos usuários. Este artigo propõe que a articulação entre o pensamento pós-estruturalista, a psicanálise relacional e a estratégia de redução de danos oferece uma via promissora para repensar a relação com o uso de substâncias, promovendo um cuidado mais inclusivo, ético e eficaz.



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2. Desconstruindo a Dependência: Uma Perspectiva Pós-Estruturalista


O pós-estruturalismo, com pensadores como Foucault (1978), Derrida (1997) e Butler (2002), nos convida a desestabilizar as categorias que fundamentam nossa compreensão do mundo. Ao problematizar a noção de realidade fixa, esses autores evidenciam que a construção do sentido ocorre por meio de discursos e dinâmicas de poder. No contexto do uso de substâncias, essa perspectiva lança luz sobre os rótulos como "dependente" ou "viciado", revelando como tais designações não são neutras, mas instrumentos de controle que medicalizam e patologizam, reforçando exclusões.


Foucault (1978) nos alerta para o modo como o poder atua na produção de subjetividades por meio de discursos normativos. No uso de substâncias, o discurso da medicalização e a criminalização não apenas marginalizam, mas também consolidam desigualdades. Butler (2002), por outro lado, sublinha que identidades são performativas, ou seja, estão em constante reconstrução a partir de nossas interações.


Em vez de ver o uso de substâncias como um desvio a ser corrigido, o pós-estruturalismo nos incentiva a compreender essas práticas como formas legítimas de expressão, situadas em contextos sociais e históricos específicos. Assim, o profissional de saúde que adota essa abordagem busca entender as condições que levaram ao uso, evitando julgamentos simplistas.


> "A liberdade do sujeito não está em escapar ao poder, mas em resistir e negociar com as forças que o constituem." (Foucault, 1978, p. 101)



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3. O Vínculo como Espaço de Transformação: A Psicanálise Relacional


Na psicanálise relacional, teóricos como Stephen Mitchell (1988) e Jessica Benjamin (1988) rompem com a concepção clássica que vê o inconsciente como um domínio isolado. Ao invés disso, a subjetividade é construída e transformada nas relações. No contexto do uso de substâncias, essa perspectiva é crucial para criar espaços de acolhimento onde o vínculo terapêutico se torne um verdadeiro campo de transformação.


Aqui, o terapeuta não é um observador distante, mas um participante ativo na co-construção de significados. Benjamin (1988) introduz o conceito de "terceira posição", um espaço intersubjetivo onde terapeuta e paciente colaboram na criação de novos entendimentos. Em vez de reduzir o uso a um sintoma a ser suprimido, a abordagem relacional busca explorar o que o uso de substâncias pode estar comunicando — seja um trauma não resolvido, um vazio existencial ou uma tentativa de conexão.


> "O self é uma construção relacional, não um ponto de partida, mas um processo contínuo que só faz sentido na interação com o outro." (Mitchell, 1988, p. 8)



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4. Redução de Danos: Cuidado, Autonomia e Respeito


A redução de danos, emergindo nos anos 1980 em meio à crise do HIV, propõe um modelo de cuidado que não se limita à abstinência como objetivo único. Em vez disso, reconhece que o uso de substâncias faz parte da realidade de muitas vidas e que minimizar riscos é uma abordagem mais pragmática e empática (Marlatt, 1998).


Os princípios que orientam essa abordagem são autonomia, empatia e não julgamento. Isso significa oferecer aos indivíduos informações, recursos e suportes que lhes permitam tomar decisões informadas sobre o próprio uso, promovendo o cuidado em vez da punição. Exemplos práticos incluem programas de troca de seringas, espaços de uso supervisionado e aconselhamento que respeita as escolhas do usuário, sem imposições moralistas.


A redução de danos ecoa a crítica pós-estruturalista ao desafiar a noção de um único "caminho certo" para viver, reconhecendo a pluralidade de experiências e defendendo o direito à autodeterminação.


> "A redução de danos não é sobre dizer que as pessoas devem usar drogas, mas sobre reconhecer que elas estão usando, e que devemos estar presentes para ajudá-las a minimizar os riscos." (Marlatt, 1998, p. 2)



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5. Integrando as Perspectivas: Um Novo Modelo de Cuidado


A articulação entre o pós-estruturalismo, a psicanálise relacional e a redução de danos resulta em um modelo de cuidado que desafia os paradigmas tradicionais. Esse modelo se baseia em quatro pilares:


Desconstrução de estigmas: Abandona os rótulos que estigmatizam usuários, promovendo uma inclusão genuína.


Construção de vínculos: Valoriza a relação terapêutica como espaço de acolhimento, onde o paciente pode se sentir compreendido e respeitado.


Autonomia e respeito: Reforça o direito do indivíduo de decidir sobre seu próprio corpo, sem coerção.


Cuidado integral: Promove a saúde física, mental e social por meio de serviços que vão além da simples abstinência.



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6. Conclusões e Novos Caminhos


A integração dessas três perspectivas abre novas possibilidades para repensar o cuidado em saúde no contexto do uso de substâncias. Em vez de políticas punitivas e de um foco restrito na abstinência, propõe-se um modelo orientado pelo respeito à diversidade e pela construção de novos significados.


Esse novo paradigma nos convida a caminhar em direção a um futuro onde o cuidado seja, acima de tudo, um ato ético, inclusivo e libertador, reconhecendo a complexidade das vivências humanas e promovendo a saúde em sua totalidade.



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Referências


Benjamin, J. (1988). The Bonds of Love: Psychoanalysis, Feminism, and the Problem of Domination. Pantheon Books.


Butler, J. (2002). Corpos que Importam: Os Limites Discursivos do "Sexo". Civilização Brasileira.


Derrida, J. (1997). De la Gramatologia. Siglo XXI.


Foucault, M. (1978). História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Graal.


Marlatt, G. A. (1998). Harm Reduction: Pragmatic Strategies for Managing High-Risk Behaviors. Guilford Press.


Mitchell, S. A. (1988). Relational Concepts in Psychoanalysis: An Integration. Harvard University Press.

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