O que é a máquina do mundo, senão um espelho que se oferece ao sujeito para desvelar sua fragilidade diante da infinitude do sentido? Em Drummond, esse oferecimento ressoa menos como a realização de um destino e mais como a interpelação de uma falta. Quando a máquina se abre, o poeta está em trânsito, atravessando um espaço que não é nem início nem fim, mas um entre, um momento de suspensão onde o encontro se dá. Aqui, o texto ecoa uma tensão presente também em outros momentos da literatura e do pensamento: a busca pelo saber absoluto que, ao ser alcançado ou oferecido, revela o peso de sua insuportabilidade.
A recusa do poeta ante a máquina nos leva a lembrar da famosa interrogação de Dante ao adentrar os círculos do inferno: "Deixai toda esperança, ó vós que entrais." Como em A Divina Comédia, há no encontro de Drummond com a máquina algo de abissal. Ambos os textos lidam com o desejo de compreender o todo e o limite que se impõe quando o sujeito percebe que o saber total não é redentor, mas opressivo. A máquina, como a porta do inferno de Dante, é um convite a confrontar o que está além da capacidade de simbolização.
No campo da psicanálise, a abertura da máquina reverbera na ideia lacaniana de "o grande Outro", o lugar do saber que organiza, mas também aliena. Ao recusar a máquina, o sujeito poético não rejeita apenas o saber do Outro, mas também a posição de submissão que esse saber impõe. Essa recusa, no entanto, não é um ato de negação; é um gesto de sobrevivência, como o de Bartleby, o escriturário de Melville, que diante do sistema totalizante da lógica capitalista apenas diz: "Prefiro não." A recusa da máquina ecoa o mesmo movimento de resistência ao insuportável.
Mais profundamente, podemos ler o poema como uma reverberação tardia do mito de Fausto, o homem que vende sua alma em troca de um saber infinito. Mas, ao contrário de Fausto, que aceita o pacto com Mefistófeles para abarcar o todo, o sujeito drummondiano intui que o preço desse saber é a perda de si mesmo. Recusar a máquina é, paradoxalmente, afirmar a vida, com seus limites e incompletudes, rejeitando a falsa promessa de uma plenitude que seria, na verdade, o fim do desejo.
Essa recusa se conecta também ao existencialismo de Camus em O mito de Sísifo, onde o absurdo do mundo não pede uma solução definitiva, mas uma convivência ativa com a falta de sentido. O sujeito poético de Drummond, ao continuar seu caminho, recusa não o mundo, mas a ilusão de que ele possa ser compreendido plenamente. Assim como Sísifo, que encontra liberdade em sua eterna tarefa de rolar a pedra, o poeta escolhe a estrada, o movimento, o ato contínuo de existir sem a necessidade de abarcar tudo.
Por fim, a máquina do mundo se faz lembrar do impossível encontro entre Ulisses e as sereias em A Odisseia. As sereias prometem um saber absoluto, uma visão total, mas sua voz é fatal. Ulisses, amarrado ao mastro, ouve, mas resiste. No poema de Drummond, o sujeito não precisa das amarras; sua escolha é consciente, ética. Ele caminha para longe da máquina não como quem foge, mas como quem sabe que a vida pulsa justamente na incompletude, no intervalo entre o desejo e sua realização.
A máquina do mundo, então, não é apenas uma oferta; é uma interpelação que atravessa séculos de pensamento e arte, ecoando o dilema fundamental do humano: o que fazer com o desejo de saber? Recusá-lo? Abraçá-lo? Ou, como em Drummond, carregar a memória do encontro e seguir adiante, transformado pela reverberação silenciosa desse momento? Na clínica, como na literatura, o gesto não é resolver, mas caminhar — entre o que se sabe e o que sempre permanecerá incompreensível.
Criado com auxílio de IA
Comments