O que ainda pulsa quando o resto parece ruir
- Mário Bertini
- 20 de abr.
- 2 min de leitura
Não há promessa. Nenhuma. Nem nos gestos que se repetem, nem no silêncio das manhãs ou na rotina dos corpos que se encontram. A vida não oferece garantias, apenas sinais. Dispersos. Disformes. Por isso talvez o mais honesto seja começar admitindo: o mundo não nos deve nada. E se por vezes parece que nos concede alguma forma de amparo, é porque nós o moldamos com o desejo faminto de sentido. Queremos narrativas, explicações, causalidades — mas o que temos é o vazio entre os acontecimentos.
O amor, nesse desamparo, não é um dom, nem um destino. É uma aposta. Frágil e intensa. Uma decisão absurda de se deixar atravessar por outro quando tudo no mundo diz que é mais seguro não. Amar é sustentar a ferida aberta de estar com alguém e ainda assim continuar só. Porque mesmo o amor mais sincero não resolve a solidão fundamental que é ser no mundo. E talvez por isso mesmo ele importe tanto.
O sofrimento, por sua vez, não é uma falha. É a resposta fiel ao que nos falta. É o corpo dizendo que algo foi perdido, que algo foi demais, que algo não se deu. Sofrer é lembrar que há um núcleo vivo que ainda reage, que não adormeceu. E esse núcleo, que resiste mesmo sob o entulho da dor, é o que nos salva de uma existência indiferente.
O saber — o que chamamos de saber — é sempre uma invenção. Uma ficção organizada com rigor, com método, com paixão. Mas ainda assim uma ficção. E, paradoxalmente, é essa ficção que nos ancora. Precisamos acreditar em algo para não cair no abismo do nada. O conhecimento não é uma descrição neutra do real; é um gesto poético que busca organizar a vertigem.
A ética, talvez, seja a mais exigente dessas invenções. Não é uma norma externa, um código gravado em pedra. É um chamado interno, silencioso, que nos pergunta o tempo todo: você está traindo o que ainda pulsa em você? Porque é fácil viver de forma correta, mas viver sem se trair exige escuta, exige recusa, exige coragem. E nem sempre conseguimos. Mas às vezes, só às vezes, conseguimos. E nesses momentos, ainda que o mundo esteja desabando, há algo que se sustenta. Algo que insiste.
Criado com auxílio de IA
Comentarios