Uma banana colada a uma parede com fita adesiva prateada, vendida por cifras exorbitantes e celebrada como arte. A obra Comedian de Maurizio Cattelan condensa, de forma grotesca e emblemática, o mal-estar que atravessa a contemporaneidade sob o signo do capitalismo tardio. Aqui, a teoria crítica nos oferece as ferramentas para problematizar o fenômeno: a obra não é apenas um objeto, mas um sintoma, uma metáfora do vazio e da alienação que definem nossa relação com a arte, o mercado e o próprio tempo.
Cattelan, ao propor Comedian, não apenas desafia os limites da estética tradicional; ele os ironiza. A escolha do objeto — uma banana, frágil, perecível, descartável — dialoga com a efemeridade de tudo que o capitalismo transforma em mercadoria. A fita adesiva, ordinária e utilitária, converte a obra em um gesto de precariedade, de improviso, que contrasta com os milhões pagos por ela. Sob a perspectiva de autores como Adorno e Horkheimer, a obra revela a lógica da reificação, onde o objeto, despojado de sua funcionalidade e significado intrínseco, se torna puro fetiche, valorizado apenas por sua inserção no circuito da cultura de consumo.
Por que uma banana? Por que uma obra tão simples mobiliza o mercado e os discursos? Na lógica do capitalismo contemporâneo, aquilo que é trivial pode se tornar excepcional desde que receba a chancela do mercado ou do museu. O ato de colar uma banana na parede só adquire o status de arte porque a institucionalidade assim o define, evidenciando a crítica de Bourdieu ao campo artístico como espaço de distinção social. O comprador de Comedian não está adquirindo uma banana; está comprando um certificado de autenticidade, um símbolo de prestígio, uma narrativa que o insere num jogo de poder e acumulação simbólica.
O gesto de Cattelan também desvela a violência simbólica do mercado de arte, que transforma a crítica em espetáculo. Ao mesmo tempo em que Comedian aponta para a futilidade da valorização exacerbada, ele reforça a lógica que critica, alimentando o próprio sistema que denuncia. Nesse paradoxo, encontramos a ironia amarga do capitalismo cultural, que captura até mesmo os gestos de resistência para transformá-los em mercadorias. Para Adorno, essa dinâmica revela a totalidade administrada da sociedade: nenhuma ação, nem mesmo a mais absurda, escapa à lógica do capital.
Do ponto de vista da teoria crítica contemporânea, autores como Byung-Chul Han e Zygmunt Bauman poderiam ler Comedian como um espelho da "sociedade líquida" e do "cansaço do eu". A obra não apenas ridiculariza a obsessão pela novidade e pela espetacularização, mas também nos confronta com o vazio existencial de uma época onde o valor parece descolado de qualquer substância. A banana, destinada à deterioração, é uma metáfora potente do tempo: sua decomposição é inevitável, uma lembrança da caducidade da vida e da arte, mas também do caráter ilusório das promessas de permanência do capital.
O que resta, então, diante de uma banana colada na parede que vale milhões? Talvez reste o riso, amargo e nervoso, que surge quando somos confrontados com a falência das narrativas que sustentam o presente. Rir da obra é rir de nós mesmos, cúmplices e espectadores de um sistema que nos aliena enquanto nos fascina. No entanto, esse riso, longe de ser libertador, pode ser interpretado como um ato de resignação, um reconhecimento de que, no palco do capitalismo, todos somos parte do espetáculo.
Maurizio Cattelan, com sua obra absurda, nos deixa desconfortáveis porque ela não propõe uma saída. Comedian é uma constatação, uma denúncia que não se encerra, mas se perpetua enquanto houver mercado para consumi-la. É uma banana colada na parede, mas também o espelho de uma época que colapsa sob o peso de sua própria vacuidade. O que ela nos oferece, em última análise, é uma provocação: um convite a repensar o que significa viver — e criar — num mundo onde até o absurdo tem preço.
Criado com auxílio de IA
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