O espaço é preenchido por pedras. Cinzas, opacas, silenciosas. Caminhamos sobre elas com cautela, como se nossos pés tivessem que reaprender a tocar o chão. Riverbed, a instalação de Olafur Eliasson, não é uma obra que se contempla de fora; é uma obra que exige a presença, o corpo, o deslocamento. É uma paisagem que desafia a arquitetura do museu, transformando-a num fluxo, num lugar onde o tempo e a matéria se entrelaçam.
Ao adentrar Riverbed, somos tomados por um desconcerto. Não há orientação explícita, não há narrativa a ser seguida. Apenas pedras, água, e o som do silêncio interrompido pelos passos alheios. A teoria crítica nos ensina a suspeitar das aparências: o que Eliasson nos oferece não é um simulacro natural, mas uma provocação à forma como habitamos e entendemos o mundo. Em sua simplicidade, a obra desestabiliza nossa relação com o espaço e o tempo, expondo o quanto nos tornamos alienados das texturas da terra e do fluxo da vida.
É impossível caminhar por Riverbed sem pensar no impacto das mudanças climáticas, na devastação ecológica que define o nosso tempo. A presença da água, escorrendo entre as pedras, parece um gesto delicado, quase melancólico, que evoca rios secando, paisagens devastadas. A ecopsicanálise, nesse sentido, nos oferece uma chave de leitura: o estranhamento provocado pela instalação revela o luto por aquilo que perdemos, mas que talvez nem saibamos nomear. Riverbed não é apenas um espaço; é um sintoma do mal-estar ecológico que permeia nossa psique coletiva.
No entanto, há algo de profundamente ambíguo na obra. Ela não nos apresenta a natureza como um lugar de redenção ou pureza. As pedras foram transportadas para o espaço expositivo, reorganizadas, retiradas de seu contexto original. Não é uma imitação de um rio; é uma construção, uma intervenção. Como Adorno pontuaria, não há retorno à natureza em um mundo mediado pelo capital. Riverbed é tão artificial quanto o próprio museu, mas é justamente nessa artificialidade que reside sua força crítica: ela expõe nossa incapacidade de nos relacionarmos com a natureza sem a moldarmos segundo nossos próprios desejos.
A caminhada pela instalação é lenta, quase meditativa. O corpo se inclina, tropeça, pausa. Somos forçados a desacelerar, a nos reconectar com a materialidade do chão. Em um mundo regido pela velocidade, pela produção incessante, Riverbed exige outro ritmo, um tempo que escorre como a água entre as pedras. É aqui que a teoria crítica se encontra com a ecopsicanálise: Eliasson nos convida a repensar nossa relação com o tempo, não como uma linha reta, mas como um fluxo, uma dança entre presença e ausência, entre criação e destruição.
A ecopsicanálise nos lembra que a crise ecológica é também uma crise do sujeito. Em Riverbed, a experiência de caminhar sobre um terreno instável pode ser lida como uma metáfora para o desconforto psíquico que sentimos diante do colapso ambiental. O solo firme, que nos dá segurança, é substituído por um campo de incertezas. Não há destino claro, apenas o aqui e o agora, e isso nos desorienta.
No entanto, há beleza nesse desconforto. Há algo de profundamente humano na tentativa de encontrar equilíbrio entre as pedras, de seguir o fluxo da água. Riverbed não é uma obra de respostas, mas de perguntas. Como habitamos o mundo? Como lidamos com a perda? Como encontramos sentido em um tempo de devastação? Eliasson nos oferece um espaço para pensar, sentir, tropeçar.
A água, em seu fluxo contínuo, parece nos lembrar da passagem do tempo, da inevitabilidade da mudança. Mas, ao mesmo tempo, há algo de eterno nas pedras, algo que resiste. Adorno e Horkheimer poderiam dizer que essa tensão entre o efêmero e o duradouro é uma metáfora para a própria condição humana: presos entre a finitude e o desejo de transcendência, buscamos sentido em um mundo que, muitas vezes, nos escapa.
O espaço expositivo, transformado em paisagem, não é neutro. Ele carrega consigo as marcas do poder, da exclusão, da mediação capitalista. Riverbed não escapa dessas contradições, mas as explora. A instalação não é uma reconexão com a natureza, mas um espelho de nossa relação conflituosa com ela. Ao caminhar pelas pedras, somos confrontados com nossa própria alienação, com o abismo que separa o humano do não-humano.
E, ainda assim, há um convite à esperança. Não uma esperança ingênua, mas uma esperança crítica, que surge do reconhecimento de nossas limitações e de nossa responsabilidade. Riverbed não nos oferece uma solução, mas nos lembra da importância de estar presente, de sentir o peso das pedras sob nossos pés, de ouvir o som da água que flui.
Ao final da caminhada, não saímos ilesos. Algo em nós mudou, mesmo que de forma imperceptível. Talvez seja apenas um desconforto, uma inquietação, mas é o suficiente para nos lembrar que estamos vivos, que ainda temos a capacidade de sentir, de pensar, de imaginar outro modo de estar no mundo. Em Riverbed, Eliasson nos devolve o tempo, o peso, o fluxo — e, com eles, a possibilidade de resistência.
Criado com auxílio de IA
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