O que é, é. O que não é, é possível. Apenas o que não é possível é possível. Estas palavras, ressoando como um enigma de um oráculo moderno, trazem consigo um paradoxo que se desdobra, como uma espiral, em camadas de significação. Não são apenas uma sentença enigmática; são uma porta aberta para o abismo de nossas expectativas, para o horizonte que se retraça sempre que nos aproximamos dele. Talvez estejam falando do próprio tempo, não o tempo como o conhecemos — Khrónos, a sequência inexorável dos minutos e horas —, mas o tempo que escapa, que se recusa a se submeter à sua própria prisão. Há algo no que é que se sente inevitavelmente preso, enquanto o possível carrega consigo uma promessa que escorre por entre os dedos no instante em que tentamos capturá-la.
Lisa Baraitser, em sua exploração sobre o tempo, nos conduz por um território semelhante, onde o tempo é tudo, menos linear, previsível ou seguro. Para Baraitser, há um tempo que se esgota, sim, que se consome como uma vela lentamente derretendo, mas também há um tempo que se suspende, que nos mantém num estado de espera. Essa espera é como um vazio que nos desafia a preencher o silêncio com algo mais que apenas paciência. Não é uma espera passiva, é uma espera ativa, uma insistência na possibilidade de algo que, talvez, nunca venha. E não é exatamente isso que ocorre na psicanálise? O analista e o analisando sentados, na partilha de um silêncio que só ganha sentido quando é atravessado pela fala, pela revelação, pelo toque que se insinua e se retrai.
O que não é, é possível. Há algo de profundamente psicanalítico nessa frase. Não é o que já sabemos, o que já está presente na consciência, que nos move, mas aquilo que ainda não é, que está por se fazer, que nos intriga, que nos lança para além de nós mesmos. A análise é, em muitos aspectos, a arte de convocar o que ainda não é, de dar voz ao que foi silenciado, de trazer à superfície aquilo que o tempo cronológico insistiu em enterrar. Baraitser fala desse tempo denso, onde nada parece acontecer e, no entanto, tudo está acontecendo, nas dobras e interstícios da espera. Esse é o tempo da cura psicanalítica, um tempo que não se mede por relógios, mas por gestos e palavras que emergem quando menos se espera.
Mas então, o que fazer com o impossível? Apenas o que não é possível é possível. Esta é a sentença que mais perturba, que mais escapa ao nosso desejo de compreensão. Ela sugere que há algo na impossibilidade que se torna, paradoxalmente, a única abertura verdadeira para o novo. O impossível na clínica psicanalítica é aquilo que, em teoria, não deveria acontecer, mas que, quando acontece, transforma profundamente o sujeito. É o momento do “acting out” que revela o que estava reprimido, é o sonho perturbador que traz à tona uma verdade recalcada. Quando o impossível se manifesta, ele se inscreve como um rasgo no tecido do Khrónos, um corte que instaura um outro tempo, um tempo do acontecimento, do Kairós.
A possibilidade carrega em si uma promessa, uma projeção de futuro, mas é uma promessa frágil, uma promessa que só ganha forma quando o impossível se torna visível. Aqui, podemos pensar na experiência da transferência, onde o paciente espera algo que não pode ser dito diretamente, mas que precisa ser sentido, quase como um eco do passado ressoando no presente. A transferência é a encarnação desse impossível que se torna possível, não porque é racionalmente explicável, mas porque é vivido, sentido, atravessado. O tempo da transferência é um tempo que rompe com o tempo ordinário, é um tempo que se expande e contrai, como se o presente se dobrasse sobre si mesmo.
Há uma insistência no paradoxo que não nos deixa sair da espiral: o que é, é; o que não é, é possível; apenas o que não é possível é possível. É uma dança de ausências e presenças, de esperas e rompimentos, como se o real só pudesse ser tocado quando aceitamos que ele não pode ser totalmente capturado. A cura, então, não seria a eliminação de um sintoma ou a resolução de um conflito, mas a aceitação da impossibilidade de um fechamento definitivo, a abertura para aquilo que nunca será completamente dito ou conhecido.
A cura psicanalítica não é a chegada a um ponto final, mas a habilidade de sustentar o impossível como possível. É a capacidade de viver com a falta, de tolerar a frustração, de se abrir para o que não pode ser antecipado. Baraitser nos lembra que o tempo da espera na análise não é um desperdício, mas um trabalho, um trabalho que transforma a relação com o próprio tempo. É nesse vazio que a possibilidade do novo pode surgir, não como uma certeza, mas como um vislumbre, uma cintilação que talvez jamais se repita.
O que resta, então, é esta espera. Esperar que o impossível se faça possível é, em última instância, uma entrega, uma rendição ao tempo que não controlamos. É um tempo que não se alinha com as expectativas produtivas da modernidade, com a urgência de resolver, curar, solucionar. É um tempo que nos pede para suportar a frustração, para encontrar sentido no que não é, no que ainda não veio, no que talvez jamais venha.
E talvez, ao final, não seja mesmo uma questão de curar ou resolver, mas de habitar esse espaço-tempo do impossível. De caminhar por essa linha tênue onde o que é se confunde com o que pode ser, e onde a própria impossibilidade se torna a fonte mais profunda de criação e transformação. No fundo, não é o fechamento de uma ferida que buscamos, mas a coragem de habitá-la, de sustentá-la aberta, para que nela possamos nos recriar, incessantemente.
Porque o que não é, sempre será possível — mas apenas quando aceitamos que o que realmente importa é aquilo que jamais poderá ser inteiramente possível.
Criado com auxílio de IA
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