O tempo. Como ele se estende e se encolhe, se dobra sobre si mesmo. Para os gregos, havia Khrónos, o tempo linear que nos arrasta, um rio que não cessa de fluir. Mas também havia Kairós, o momento que se anuncia como uma oportunidade, como uma faísca que corta a escuridão da noite. E, mais além, havia Aión, aquele tempo que perdura, que não é medido por relógios ou calendários, mas que se impõe como um ciclo eterno, uma espiral que nos envolve sem que saibamos onde começa e onde termina. Baraitser, em Enduring Time, nos convida a pensar nesses tempos não apenas como conceitos abstratos, mas como experiências que moldam nossas vidas — e, sobretudo, nossas dores.
No consultório psicanalítico, o tempo ganha uma outra dimensão. É uma espera, uma permanência, uma insistência na escuta. Paciente e analista se encontram, semanalmente, nos mesmos dias, à mesma hora, como se fossem marcados por um metronomo inflexível. Khrónos rege esses encontros: o tempo é contado em sessões de cinquenta minutos, em blocos que parecem mecanicamente se suceder. E, ainda assim, não é o simples desenrolar desse tempo que cura. Na verdade, o que Baraitser nos lembra é que a repetição não é garantia de progresso. As dores mais profundas não se desmancham sob o peso da mera passagem do tempo.
Talvez seja aqui que Kairós entre em cena. Na prática clínica, há momentos — raros, fugidios, inesperados — onde o tempo parece se condensar. Uma palavra, um olhar, um silêncio do analista pode tocar uma corda que estava enterrada, uma ferida que se acreditava calada. Kairós é esse instante de suspensão, em que algo se desloca, se transforma. Não é um evento que se pode prever ou provocar pela força da vontade; é algo que acontece a despeito de nossos esforços. Como se o tempo se abrisse por um instante, permitindo a passagem para um território desconhecido, mas essencial.
Mas esses momentos são raros. Para chegar até eles, é preciso suportar o tempo de Khrónos, suportar a repetição, o tédio, o silêncio. Baraitser fala de enduring — de uma forma de perseverar, de se manter firme no tempo, mesmo quando ele se arrasta como uma correnteza lamacenta. Para o trauma, essa dimensão é crucial. Pois o trauma é, em si mesmo, uma ferida no tecido do tempo, uma quebra na sequência ordenada dos eventos. Para aqueles que sofrem, o tempo não se move em linha reta; ele se enrola sobre si mesmo, retorna sempre ao mesmo ponto, como um vinil riscado que repete a mesma nota, indefinidamente.
Aqui, o papel do analista não é acelerar o tempo, não é forçar o paciente a “seguir em frente”. Pelo contrário, é aprender a estar com o tempo que não passa. É uma forma de resistência, de recusar a promessa fácil de que o tempo cura todas as feridas. Nem sempre o faz. Às vezes, ele apenas as cobre com uma fina camada de pó, uma película que, ao menor toque, se rompe, revelando a carne viva que ainda pulsa por baixo.
E então, há o Aión. O tempo da eternidade, da persistência que não conhece começo nem fim. O inconsciente freudiano é, em muitos aspectos, habitado por essa temporalidade. O que foi recalcado não está no passado; ele é o presente, sempre presente, em uma repetição incansável que não conhece o alívio do esquecimento. No espaço analítico, é como se a sala se transformasse em um espaço atemporal, onde as palavras que se dizem não têm idade, onde o sofrimento do analisando ressoa como se estivesse acontecendo agora, neste instante.
Baraitser nos oferece um pensamento sobre a cura que é, ao mesmo tempo, inquietante e necessário. Não se trata de “superar” o passado, de apagar as marcas que ele deixou. A cura, em sua visão, não é uma linha reta em direção ao futuro, mas um reconhecimento da permanência. Algumas dores não se dissolvem; elas se transformam, se integram, se tornam parte do tecido da nossa história. Talvez seja isso que ela chama de enduring time: um tempo que se suporta, que se atravessa, sem a promessa de redenção.
Nesse sentido, o trabalho psicanalítico é uma arte da paciência. Não a paciência que espera por algo que virá, mas uma paciência que aceita aquilo que é. A análise não se apressa, porque o que está em jogo não é um progresso mensurável, mas uma relação com o tempo que é mais profunda, mais complexa. O trauma interrompe a continuidade do tempo, sim, mas ele também nos ensina que nem tudo pode ser curado pelo simples desenrolar de Khrónos. É preciso aprender a ouvir o silêncio que ele deixa.
No consultório, o analista e o paciente estão juntos nesse tempo peculiar, que não é nem cronológico nem qualitativo, mas que oscila entre os dois. É um tempo que precisa ser habitado, um tempo que se prolonga porque, muitas vezes, não há outro caminho a seguir. Talvez seja por isso que tantas análises levam anos, décadas. Não porque sejam ineficazes, mas porque a profundidade da dor exige um outro tipo de tempo — um tempo de aceitação, de repetição, de transformação lenta.
É por isso que o conceito de Baraitser é tão revolucionário. Porque ele nos lembra que, na psicanálise, o tempo é tanto uma prisão quanto uma possibilidade. O tempo não é algo que podemos controlar, manipular ou acelerar. Ele é uma experiência que deve ser suportada, vivida, explorada. E, no fim, talvez seja apenas através dessa relação mais íntima, mais paciente com o tempo que a cura — ou ao menos, uma nova forma de existir — possa ser encontrada.
Assim, nos resta a paciência de habitar nossos próprios tempos. De esperar pelo Kairós que pode, um dia, se apresentar. De suportar o Khrónos que nos empurra. De nos reconciliarmos, finalmente, com o Aión que nos habita, que é, afinal, a própria vida que se desenrola, incessante, no fundo do nosso ser.
Criado com auxílio de IA.
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