A relação entre traumas psicológicos e a noção de tempo é intrinsecamente complexa, uma vez que o trauma altera a experiência subjetiva do indivíduo em relação ao passado, presente e futuro. Em um contexto psicanalítico, particularmente nas teorias de Jean Laplanche e Roussillon, o trauma é visto não apenas como um evento, mas como uma ruptura no fluxo temporal da experiência psíquica.
Trauma e o Colapso da Linearidade Temporal
O trauma tem a capacidade de interromper a linearidade do tempo psíquico. Em um estado não traumático, há uma continuidade entre o passado, o presente e o futuro, permitindo ao sujeito construir uma narrativa coerente de sua vida. No entanto, o trauma produz um corte nessa linha temporal, congelando o indivíduo em um momento que, de certa forma, nunca termina. O que ocorreu no passado continua a retornar como uma presença constante no presente, seja através de flashbacks, reviviscências ou sintomas corporais que trazem à tona aquilo que não pode ser simbolizado ou narrado.
Essa desorganização da temporalidade pode ser descrita por Roussillon como uma forma de "experiência petrificada", onde o trauma persiste como um bloco intransponível no tempo, interrompendo a capacidade do sujeito de projetar-se para o futuro. Aqui, a temporalidade deixa de ser fluida e se torna fragmentada, levando a uma espécie de "cristalização" do tempo traumático.
O Eterno Retorno e o Compulsion to Repeat
Sigmund Freud descreveu o conceito de compulsão à repetição (Wiederholungszwang), no qual o sujeito, mesmo de forma inconsciente, reencena experiências traumáticas em um esforço desesperado para processar o que permanece incompreensível. Esse mecanismo está profundamente relacionado à tentativa de integrar o trauma à estrutura temporal psíquica, embora falhe continuamente, pois a repetição não gera resolução, mas sim uma espécie de aprisionamento temporal.
A partir desse ponto de vista, o trauma desorganiza a gestão do tempo ao criar loops temporais que prendem o sujeito em experiências passadas, impedindo-o de acessar um futuro aberto e contingente. Essa é uma manifestação de como o trauma desarticula a relação do sujeito com a temporalidade: o futuro não é mais vivido como uma promessa, mas como uma continuação do passado traumático.
Trauma, Procrastinação e a Relação com a Produtividade
Se considerarmos a gestão do tempo em termos mais contemporâneos, como a produtividade e a pressão para maximizar cada segundo, o trauma pode ser visto como uma resistência inconsciente a essa lógica. Pessoas que sofrem de traumas podem manifestar dificuldades com o que hoje se entende como time management, procrastinando ou sendo incapazes de se envolver com projetos a longo prazo.
É possível que a procrastinação ou a "fuga" das exigências temporais da produtividade moderna revelem uma tentativa de proteger o self da pressão de um futuro que parece incerto ou ameaçador. Em um contexto em que a produtividade se torna uma métrica de valor social, o trauma pode, paradoxalmente, criar uma espécie de resistência ao tempo instrumental, um tempo que se tornou, de certa forma, desumanizante.
Temporalidade como Cura: A Possibilidade da Reinscrição
Por outro lado, a cura de traumas pode ser compreendida como um processo de reinscrição temporal. Na psicanálise contemporânea, particularmente em abordagens relacionais e neuropsicanalíticas, há um foco no uso da relação terapêutica como um espaço onde novas experiências temporais podem ser vividas e simbolizadas. Aqui, o terapeuta oferece uma forma de holding (Winnicott), uma temporalidade mais estável e segura que permite ao sujeito reescrever a narrativa de seu trauma.
Nesse sentido, a gestão do tempo deixa de ser uma questão de eficiência e passa a ser uma questão de recuperar a capacidade de imaginar e habitar um futuro. Ao trabalhar através do trauma, o sujeito pode, então, retomar a continuidade temporal que foi interrompida, permitindo a possibilidade de criar novos significados para o que antes era apenas vivido como fragmentação e desespero.
Conclusão: Tempo, Trauma e Subjetividade
A relação entre traumas psicológicos e a noção/gestão do tempo revela como a experiência humana não pode ser simplesmente capturada em termos de cronologia objetiva ou eficiência. O trauma revela que o tempo é, fundamentalmente, uma construção subjetiva e relacional. Quando essa construção é interrompida, todo o modo como o sujeito habita o mundo é transformado.
A cura, então, pode ser entendida não como a "gestão" do tempo, mas como a possibilidade de restaurar a fluidez e a continuidade que permitem ao sujeito projetar-se para além do trauma. Assim, o trabalho psicanalítico, ao restaurar uma narrativa temporal que inclui o passado, mas também abre o futuro, se torna uma forma de reconquistar a liberdade temporal e, portanto, a liberdade existencial.
Criado com auxílio de IA
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