Cinco figuras da perda: um ensaio a partir de Ernest Jones
- Mário Bertini
- 13 de abr.
- 3 min de leitura
Há perdas que nos rasgam de forma tão nítida que deixam sulcos visíveis no corpo da memória. Outras, quase imperceptíveis, escorrem silenciosamente para os cantos mais escuros da subjetividade, onde se confundem com traços, sintomas ou fantasmas. Na tradição psicanalítica, talvez nenhum tema seja mais constante, mais fundador, mais reiterado do que o da perda. Ernest Jones, em sua leitura cuidadosa e devota de Freud, insinua um mapeamento possível dessas perdas. Não as sistematiza. Mas, como quem traça um contorno com lápis de sombra, deixa entrever algumas figuras fundamentais — modalidades arquetípicas daquilo que nos falta.
A primeira dessas figuras é a perda do objeto amoroso. Não se trata apenas da morte de alguém. É a retirada, o esvaziamento, a ausência que obriga o sujeito a refazer seus caminhos de investimento libidinal. O amor, quando se vai, não deixa apenas um vazio; deixa uma trama em ruínas que precisa ser costurada novamente. Para Jones, o luto é essa operação silenciosa, quase artesanal, em que se desfaz o nó da presença para que reste a lembrança, já sem dor. Freud o havia dito: o luto normal é o preço que pagamos por amar. Klein aprofundará esse ponto, mostrando como a perda do objeto bom nos lança numa posição depressiva que é, ao mesmo tempo, devastadora e estruturante. Para Winnicott, esse trabalho exige um ambiente que sustente a dor sem invadir; para Lacan, o luto é apenas mais uma forma em que se revela a falta constitutiva do ser.
A segunda modalidade é a perda narcísica — a perda da imagem ideal de si mesmo, da perfeição que o eu infantil atribui a si e àqueles que o espelham. Há uma dor peculiar quando se descobre que não se é tudo, que não se é o centro, que há falhas, fissuras, limites. Jones via nesse colapso do narcisismo algo do mesmo registro da melancolia: quando o sujeito perde um ideal, pode afundar consigo. Klein chamaria essa ferida de inveja primária; Winnicott, de decepção estruturante; Lacan, de alienação do eu em sua imagem especular. Em todos os casos, perder o ideal é também ganhar uma chance de habitar o real.
Vem então a perda simbólica, aquela que se inscreve no campo da lei: a castração. Não é uma amputação real, mas uma inscrição subjetiva que corta o gozo absoluto e introduz a lógica da interdição. Jones leu a castração como um núcleo de angústia no menino diante da diferença sexual, mas também como uma porta para a simbolização. Renunciar ao gozo incestuoso, aceitar a interdição paterna, não é ceder ao mundo; é inaugurar o desejo. Para Lacan, a castração é o que funda o sujeito do inconsciente. Para Klein, ela é uma ameaça concreta de aniquilamento. Para Winnicott, talvez ela seja apenas mais uma das desilusões que precisam ser tornadas pensáveis com a ajuda de um ambiente suficientemente bom.
Outra perda que Jones reconhece está nas perdas parciais, aquelas primeiras renúncias corporais e pulsionais: o seio que se retira, as fezes que se soltam, o corpo da mãe que já não se oferece o tempo todo. São perdas pequenas, mas fundantes. Freud nomeou essas fases — oral, anal — como etapas de desenvolvimento. Mas para Klein, esses pequenos pedaços são grandes catástrofes para o bebê. O seio perdido pode ser sentido como objeto morto; as fezes doadas, como oferendas mágicas ou sacrifícios narcísicos. Winnicott propõe aqui o uso criativo do objeto: o bebê precisa perder o objeto para poder reencontrá-lo no jogo. Lacan nomeará esse resto, essa sobra irrecuperável, como objeto a — o que se perde, mas que também causa o desejo.
E por fim, a perda da posição infantil, talvez a mais melancólica de todas. É quando o Édipo se desfaz, quando a criança cede sua posição de amado exclusivo e entra no circuito mais amplo da cultura, da linguagem, da alteridade. É o momento em que se abdica da fantasia de completude para tornar-se sujeito entre outros. Para Jones, é a travessia de um luto necessário. Para Freud, a entrada no superego. Para Klein, a superação da posição esquizo-paranoide. Para Winnicott, o início do amadurecimento emocional. Para Lacan, a assunção da falta.
Essas cinco figuras da perda — amorosa, narcísica, simbólica, parcial e edípica — são como cenas recorrentes de um mesmo drama: o de que só nos tornamos sujeitos ao preço de perder. Mas não se trata de resignação. A perda, em psicanálise, não é o fim. É o começo de algo. O início do pensamento, do desejo, da criatividade, do amor que sabe que pode acabar e, ainda assim, escolhe acontecer.
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