Limerência e o Eco dos Traumas Psicológicos
- Mário Bertini
- 25 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
O conceito de limerência foi introduzido pela psicóloga Dorothy Tennov em seu livro Love and Limerence: The Experience of Being in Love (1979), como uma tentativa de nomear e explicar o estado emocional caracterizado por uma obsessão romântica intensa e o desejo desesperado de reciprocidade. Não é apenas uma paixão comum, mas um fenômeno psicológico marcado por pensamentos intrusivos, idealização do outro e oscilações emocionais extremas. Para muitos, a limerência pode parecer amor, mas, em sua essência, está mais conectada às dinâmicas internas de quem sente do que às características do objeto de desejo.
Esse estado, frequentemente angustiante, encontra suas raízes em experiências emocionais precoces, muitas vezes relacionadas a traumas psicológicos. Abandonos, rejeições ou negligências na infância criam um terreno emocional instável, onde o outro é visto como uma possível fonte de reparação. Na limerência, o outro não é apenas um parceiro em potencial; ele se torna um símbolo de cura, uma projeção das necessidades emocionais não satisfeitas. Essa intensidade, entretanto, não é sustentável, pois é baseada na idealização e não na realidade.
Padrões de apego desempenham um papel central nesse processo. A teoria do apego nos ensina que as primeiras relações, especialmente com cuidadores primários, moldam como nos conectamos emocionalmente na vida adulta. Pessoas com padrões de apego inseguros — ansioso ou evitativo — frequentemente experimentam a limerência de forma mais intensa. Cada interação com o objeto de desejo pode ativar essas dinâmicas: um sinal de interesse é percebido como uma promessa de estabilidade, enquanto a ausência de reciprocidade é vivida como um abandono devastador. Essa oscilação cria um ciclo emocional exaustivo.
A idealização é uma das características mais marcantes da limerência. O outro é colocado em um pedestal, transformado em alguém perfeito, capaz de resolver todas as dores internas. Essa idealização, porém, é um mecanismo de defesa. Ao projetar perfeição no outro, a pessoa cria uma fantasia que serve para mascarar suas próprias inseguranças e feridas emocionais. Mas a idealização não resiste ao confronto com a realidade; quando o outro revela suas imperfeições, a estrutura desaba, deixando o indivíduo novamente imerso em sentimentos de vazio.
Essa repetição de padrões pode ser compreendida à luz da psicanálise. Freud chamou de "repetição compulsiva" a tendência de revivermos inconscientemente nossos traumas não resolvidos. Na limerência, o objeto de desejo se torna o palco onde esses conflitos internos são encenados. Não é o outro, em sua singularidade, que provoca a obsessão, mas o que ele simboliza: uma promessa de reparar as lacunas emocionais deixadas pelo passado. É um processo inconsciente que visa a resolução, mas frequentemente perpetua o sofrimento.
Ainda assim, a limerência oferece uma narrativa temporária para o caos interno. A obsessão pelo outro organiza, ainda que de forma ilusória, os sentimentos de desamparo. Ela cria um foco, uma direção, tornando-se uma forma de suportar o vazio emocional. No entanto, essa narrativa é instável, pois depende inteiramente da resposta do outro. Quando a reciprocidade não acontece ou quando o outro se afasta, o vazio retorna, muitas vezes com ainda mais força.
A dificuldade em regular emoções é outra característica comum entre aqueles que experimentam a limerência. Traumas psicológicos, especialmente os relacionados à infância, frequentemente resultam em uma baixa capacidade de autorregulação emocional. Assim, o outro se torna uma âncora, uma fonte externa de equilíbrio. Essa dependência emocional reforça a vulnerabilidade, perpetuando a sensação de que algo essencial está ausente no próprio indivíduo.
Apesar de dolorosa, a limerência é também um convite à reflexão. Ela revela as feridas que carregamos, os padrões que repetimos, as idealizações que criamos para evitar o enfrentamento do que realmente nos falta. Nesse sentido, a limerência pode ser vista não apenas como uma experiência de sofrimento, mas como uma oportunidade de autocompreensão. Ela nos força a olhar para dentro e reconhecer as dores que moldam nossas escolhas e comportamentos.
A psicoterapia é uma ferramenta poderosa para esse processo de reconstrução. Explorando os vínculos entre os traumas do passado e os estados emocionais do presente, o indivíduo pode começar a desconstruir as narrativas que sustentam a limerência. É um trabalho que requer coragem, mas que oferece a possibilidade de construir formas de vínculo mais autênticas e menos dependentes.
Mais do que isso, a psicoterapia ajuda a fortalecer a autoestima, reduzindo a necessidade de validação externa. Aquele que reconhece e integra suas próprias feridas aprende que a completude que tanto busca nunca esteve no outro, mas sempre dentro de si. A limerência, nesse contexto, deixa de ser apenas um ciclo de sofrimento e se transforma em um ponto de partida para o crescimento emocional.
Compreender a limerência como um espelho das nossas carências emocionais é o primeiro passo para quebrar o ciclo. Ela nos mostra não apenas a dor, mas também o caminho. Encarar as marcas que carregamos pode ser desconfortável, mas é nesse enfrentamento que encontramos a possibilidade de transcendência — tanto na forma como amamos quanto na forma como nos relacionamos com nós mesmos.
Criado com auxílio de IA
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