A afirmação de Freud de que "todo encontro com o objeto é na verdade um reencontro" remete à concepção psicanalítica da experiência do desejo como estruturada pela perda e pela repetição. Em outras palavras, o desejo nunca encontra o objeto como algo inteiramente novo, mas sempre como algo que reencena uma ausência primordial. A relação com o objeto amado é, assim, marcada pelo rastro de uma perda anterior, pela impossibilidade de uma posse plena e definitiva.
O mito de Orfeu e Eurídice ilustra essa estrutura de maneira exemplar. Orfeu, tomado pelo luto, desce ao Hades para recuperar sua amada, conseguindo convencê-los a libertá-la sob a única condição de não olhar para trás até que ambos estejam fora do mundo dos mortos. No entanto, próximo à saída, ele cede à tentação e olha para Eurídice, perdendo-a para sempre. Essa cena é frequentemente interpretada como um símbolo do desejo que, ao tentar capturar seu objeto, o perde no próprio movimento de retomada.
Se relacionarmos essa passagem à ideia freudiana do reencontro, podemos dizer que a jornada de Orfeu ao submundo não é apenas uma busca por Eurídice, mas um retorno a um tempo mítico anterior à perda. Ele não deseja apenas resgatá-la, mas restaurar um estado originário, apagar a marca da morte, reverter o irreversível. Contudo, a estrutura do desejo impede essa realização: ao tentar assegurar a posse do objeto amado, Orfeu provoca sua segunda e definitiva perda.
O olhar de Orfeu para trás pode, assim, ser lido como a manifestação de um paradoxo fundamental do desejo: a necessidade de reencontrar aquilo que foi perdido, mas ao custo de reafirmar a própria perda. Se para Freud todo amor é, em última instância, um amor nostálgico – um retorno a um objeto primordial que nunca pode ser plenamente recuperado –, então Orfeu é a figura paradigmática desse destino. Ele encarna o amante que, ao buscar reencontrar o objeto, revela que nunca o teve de fato.
A história de Orfeu também pode ser interpretada à luz do conceito freudiano da compulsão à repetição: Orfeu repete a perda de Eurídice ao olhar para trás, como se estivesse condenado a reviver essa cena. Esse olhar não é meramente um descuido, mas uma necessidade psíquica, uma forma de reinscrever a perda no próprio ato de tentar evitá-la.
Assim, o mito de Orfeu nos ensina que o desejo se sustenta no intervalo entre presença e ausência, na tensão entre o querer reter e o inevitável escorregar do objeto. O amor, como a psicanálise o entende, é sempre assombrado pelo impossível, sempre marcado pela repetição de uma perda originária que nenhuma busca pode reparar.
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